Rebeliões em diversos presídios do Brasil fazem ressurgir a preocupação com a situação da casa prisional de Passo Fundo, superlotada e com estrutura defasada
O ano de 2017 começou de forma absurdamente violenta no Brasil. O primeiro dia do ano foi marcado pela brutal rebelião e massacre no presídio de Manaus, quando presos foram mortos pelos seus próprios colegas de detenção, integrantes de facções inimigas.
Esses fatos escancaram a realidade: quem faz a lei dentro dos presídios são os próprios apenados. Não há estrutura física adequada e nem humana suficiente para bem administrar a massa carcerária. O Estado não apresenta condições apropriadas para fazer cumprir as penas de quem está em dívida com a sociedade e ainda coloca em risco as pessoas presas, fomentando uma rivalidade cruel que, como se vê, acaba desaguando em “justiçamentos” privados.
Qual é a realidade em Passo Fundo?
Passo Fundo possui um presídio regional superlotado, que já passou por interdições por parte do Ministério Público em anos anteriores. Atualmente são 684 presos enquanto a estrutura permitiria uma lotação máxima para 307 apenados. Conforme o administrador geral substituto da casa de detenção, Josemar Dall Agnol, não há registro da existência de facções rivais no presídio de nossa cidade. No entanto, segundo ele, o temor de ocorrências de rebeliões existe em qualquer casa prisional do país. “Situações de motins e rebeliões podem ocorrer em qualquer casa prisional, de acordo com suas peculiaridades, número de presos e existência de facções. Temor há em qualquer casa prisional com número excessivo de presos em relação a sua capacidade estrutural e não é diferente no Presídio Regional de Passo Fundo”, afirma.
Dall Agnol destaca que para prevenir tais fatos é feito monitoramento constante. “É realizado um trabalho excelente pelos serviços de inteligência dos órgãos de segurança pública, que monitoram constantemente as situações dentro da casa prisional, sendo possível antever as situações em quase 90% dos casos”, revela.
Em anos anteriores, houve rebeliões na cadeia de Passo Fundo, inclusive com presos e PMs feridos.
Outro problema grave que ainda não foi solucionado são as fugas de detentos, que chegaram a ser filmadas pelos próprios presos ou, em outros casos, anunciadas através das redes sociais. Segundo o administrador, para resolver essa situação seriam necessárias melhorias na estrutura da penitenciária. “É realizado o monitoramento dos presos com histórico de fuga, tomado cuidado em relação ao alojamento nas celas e fazendo a segurança dentro das possibilidades da casa prisional e da estrutura oferecida. Seria possível estancar o problema se houvesse melhorias na estrutura física, melhorias que estão difíceis de concretizar devido à crise por que passa nosso estado”, explica.
O número de agentes penitenciários também é defasado: atualmente são 46 servidores trabalhando na segurança do estabelecimento penal, com escala diária de oito agentes. O número ideal é o de 120 agentes para escala de 25 trabalhadores por plantão. São mais que o dobro de presos, para 68% menos agentes penitenciários por escala, comparando com o que é considerado ideal.
Como surgem as facções?
Com as rebeliões que eclodiram nesse ano, ganhou destaque na imprensa o poder das facções de criminosos que assumiram o controle das detenções e mostraram seu poder também fora delas. Conforme Dall Agnol, essas associações de bandidos surgem tanto dentro dos presídios como fora deles, com regras e rituais próprios. “Digamos que numa casa prisional não há nenhuma facção, mas eu quero formar uma porque vai me trazer benefícios. Então é escolhido um líder com maior representatividade dentre os presos, que passam então a formalizar suas normativas, seu batismo. É formado então um pequeno grupo que de acordo com suas ações (dentro e fora da casa prisional) pode crescer ou simplesmente acabar tão rapidamente quanto é criado”, detalha.
As facções também podem ser importadas para penitenciárias ainda sem esse tipo de “representação”, como revela Dall Agnol. “Podem vir de fora também de duas maneiras: quando há transferência de um preso pertencente a uma facção e que faz sua apresentação, batizando os demais presos interessados em entrar para aquele grupo. Outra maneira é o contato de um preso interessado em ser líder numa casa prisional sem facção com líderes de outras casas prisionais, fazendo a representação do mesmo para os demais membros da sua cadeia”, afirma.
Não há ressocialização
Uma das políticas públicas estabelecidas para o sistema prisional brasileiro é a da ressocialização dos detentos, evitando que os presos sejam submetidos a situações degradantes que o humilhem e o impeçam de voltar para sociedade em condições indignas. Entretanto, o quadro da realidade brasileira é justamente o contrário disso: presídios superlotados, condições sub-humanas de convivência e o império da lei feita no submundo do crime.
Josemar Dall Agnol confirma que com o modelo vigente não ocorre a ressocialização, já que as casas prisionais não oferecem espaço para que isso aconteça. “Para que ocorra a ressocialização deve haver estrutura para instalação de cursos profissionalizantes, tratamento penal, oficinas de trabalho, onde os presos possam sair da ociosidade e aprender uma profissão e estudar”, argumenta.
Novos presídios
Uma possibilidade para a diminuição dos problemas de superlotação é, obviamente, a construção de novas penitenciárias. Entretanto, os governos parecem não conseguir – ou não querer – dar continuidade a essa ideia. Em 2012 e 2016 foi possível verificar essa inércia (ou incompetência) em Passo Fundo, com a perda de verbas do governo federal para a execução das obras de construção de uma nova casa prisional. Enquanto isso, os presídios brasileiros seguem como bombas-relógio. Algumas delas explodiram já no início do ano.