A Lócus inicia uma série de artigos sobre a Educação brasileira, procurando analisar o sistema de ensino nacional e, não menos importante, incluir a cidade de Passo Fundo nesse contexto, para que assim seja possível a compreensão da realidade local. Neste primeiro artigo, faz-se necessário questionar: afinal, qual é a função da escola?
Os estoicos, filósofos da Grécia Antiga, acreditavam que toda sabedoria deveria justificar a si mesma por meio de resultados práticos. O saber, portanto, estava condicionado à sua serventia, como um bom hábito de consumo: é realmente preciso comprar outro sofá para a sala de estar?
No Brasil, o Ministério da Educação, órgão responsável pelas diretrizes do ensino[1], é como um maratonista tentando competir nas Olimpíadas com uma perna quebrada. Claro que se fosse uma empresa já estaria falido há muito tempo: no setor privado, são os bons resultados que garantem a permanência no mercado. Entretanto, é inegável é que a população continua confiando no governo como o gestor do ensino, talvez por falta de opção. Então as crianças continuam sendo sequestradas de suas casas, enjauladas numa sala de aula, por quatro ou cinco horas diariamente, a um custo elevadíssimo, e descobrindo, oito anos depois, que a maioria dos estudantes não sabe escrever, nem mesmo a fazer contas de cabeça.[2]
Talvez a educação tenha sido séria noutros tempos, formando sujeitos para a vida. Mas o país navega a remo nesse campo. O patrono da educação brasileira é Paulo Freire, um fulano-de-tal que mal educou a si mesmo, mas que acabou se tornando um amuleto dos saltimbancos da esquerda. Isso já representa uma amostra de que as coisas não estão indo muito bem por aqui.
Para suprir o problema da qualidade, o mercado é obrigado a aceitar como “apto” para o trabalho um sujeito diplomado. Então o país está legitimando um grupo de sabichões, que mal sabem fazer um troco, contentando-se apenas com a aparência de conhecimento, mas não o saber em si.[3]
Arthur Schopenhauer, filósofo alemão, apontou que, em geral, o objetivo almejado pelos estudantes e estudiosos não é a instrução, mas a informação, sem saber que a informação é apenas um caminho para a instrução, constituindo pouco valor em si.[4] Talvez seja o que mais se aproxima hoje das escolas e das universidades, uma busca incessante por informações, mas pouca substância para que o estudante seja capaz não só de enfrentar o mercado de trabalho, como também a vida.[5]
Por isso, o reconhecimento das instituições de ensino brasileiras como “especializadas em produzir conhecimento” é um erro, ao menos até que se prove o contrário. Com que direito? Simples: os funestos resultados que veem sendo alcançados ao longo dos anos[6]. Isso não necessariamente significa que seja possível apontar a instituição como a única culpada, ou o professor, ou mesmo o aluno: a verdade é que nem mesmo o melhor professor do mundo, na melhor escola do mundo, possa – por sua única e exclusiva vontade – ensinar um aluno que não tem o mínimo interesse em aprender. O contrário, no entanto, já foi mais do que provado que funciona: uma pessoa iteressada, nem mesmo as piores condições financeiras, nem as mais devastadoras circunstâncias existências serão capazes de frear a sua vontade de se instruir.[7]
A educação não pode ser universal porque nem todos querem aprender as mesmas coisas. Os currículos acadêmicos e escolares, mesmo assim, foram padronizados por vias ministeriais, e o único resultado alcançado até o momento foi o de nivelar o conhecimento da população por baixo. É preciso ficar claro que:
A igualdade de oportunidades na educação é meta desejável e realizável, mas confundi-la com obrigatoriedade escolar é confundir salvação com igreja. A escola tornou-se a religião universal do proletariado modernizado, e faz promessas férteis de salvação aos pobres da era tecnológica. O Estado-nação adotou-a, moldando todos os cidadãos num currículo hierarquizado, à base de diplomas sucessivos, algo parecido com os ritos de iniciação e promoções hieráticas de outrora. O Estado moderno assumiu a obrigação de impor os ditames de seus educadores por meio de inspetores bem intencionados e de exigências empregatícias; mais ou menos como o fizeram os reis espanhóis que impunham os ditames de seus teólogos pelos conquistadores e pela Inquisição.[8]
O efeito foi ainda mais nocivo, porque são raros os empregos oferecidos para aqueles que não completaram o Ensino Médio. Que importa se uma empregada doméstica sabe calcular uma função ou se ela sabe diferenciar um átono de uma molécula? O trabalho dela é o de limpar, e é exatamente isso que ela precisa fazer bem.[9]
Desde quando um diploma torna alguém apto para um ofício? Trata-se no máximo de uma presunção de habilidade, mas nunca uma relação diretamente proporcional. Para Ivan Illich, a maior parte do conhecimento não é adquirido na escola, mas fora dela, pois assim o aprendizado ocorre casualmente, e não por imposição.[10]
Se o leitor tivesse que fazer uma opção entre cursar uma faculdade de Letras ou ter o domínio da língua, o que seria melhor? É claro que é ter o domínio da língua. No entanto, o governo instituiu que um diploma é o que condiciona uma pessoa ao mercado de trabalho. Pois bem: se o desejo é aprender, o ideal é ir direto às fontes, evitando intermediários institucionais, até porque:
A Nova Igreja do Mundo é a indústria do conhecimento, ao mesmo tempo fornecedora de ópio e lugar de trabalho durante um número sempre maior de anos na vida de uma pessoa. A desescolarização está, pois, na raiz de qualquer movimento que vise à libertação humana.[11] [sic]
Que se traga novamente a luz, para que assim os estudantes possam se tornar capazes de enxergar o que está na sua frente, iluminando os passos para que do abismo renasçam homens com amor à sabedoria. Os exemplos de virtudes humanas são imprescindíveis àqueles que se encontram num abismo intelectual e cultural. O futuro depende de pessoas capazes de se renovar, isso sem que se rompam os laços com aqueles que os antecederam, abrindo as trilhas, pois foram estes homens que construíram pontes e estradas para que a jornada das gerações seguintes pudessem dar passos ainda mais largos, enxergar novos horizontes. E o sistema de ensino nacional oferece muitas amostras de que está muito longe de cumprir esse papel.
[1] Em postagem recente nas redes sociais, bem colocou Luiz Philippe de Orleans e Bragança:
“O MEC, Ministério da Educação e Cultura, foi criado pelo ditador fascista Getulio Vargas em 1930 para controlar todo o sistema de ensino. Mais tarde nas constituições de 1934, 37, e 46, as primeiras constituições socialistas que tivemos, a educação de 4 a 17 tornou-se compulsória. Isso forçou com que toda família submetesse seus filhos ao controle e doutrina estipulada pelo MEC aparelhado por socialistas – sempre. Por isso que sou a favor do projeto Escola Sem Partido. Quando o MEC for extinto, ou não ter mais o monopólio do controle da doutrina escolar, ou tivermos a opção de educar via homeschooling e outros meios, o projeto Escola Sem Partido se tornará inócuo. Até essa realidade chegar, pais do Brasil, o projeto Escola Sem Partido é a melhor proteção contra doutrinadores ideológicos de seus filhos.” [sic]
[2] “No Brasil, depois de sequestrarmos as crianças de suas casas pelo menos cinco horas por dia e gastarmos com elas um quarto do orçamento, descobrimos, oito anos depois, atônitos, que a maioria não sabe ler… E isto apesar de todas as siglas atrás das quais se esconde a bilionária incompetência pública.” NASSER, José Monir. Para Entender O Trivium. In: JOSEPH, Miriam. O Trivium: As Artes Liberais da Lógica, Gramática e Retórica. Trad. e adapt. De Henrique Paul Dmyterko. São Paulo: É Realizações Editora, 2011, p. 11.
[3] “Quando observamos a quantidade e a variedade dos estabelecimentos de ensino e de aprendizado, assim como o grande número de alunos e professores, é possível acreditar que a espécie humana dá muita importância à instrução e à verdade. Entretanto, nesse caso, as aparências também enganam. Os professores ensinam para ganhar dinheiro e não se esforçam pela sabedoria, mas pelo crédito que ganham dando a impressão de possuí-la. E os alunos não aprendem para ganhar conhecimento e se instruir, mas para poder tagarelar e para ganhar ares de importantes.” SCHOPENHAUER, Arthur. Sobre a erudição e os eruditos. In: A arte de escrever. Org., trad., pref. E notas de Pedro Sussekind. Porto Alegre: L&PM, 2005, p. 19.
[4] SCHOPENHAUER, Arthur. Sobre a erudição e os eruditos. In: A arte de escrever. Org., trad., pref. E notas de Pedro Sussekind. Porto Alegre: L&PM, 2005, p. 20.
[5] “Muitos estudantes, especialmente os mais pobres, percebem intuitivamente o que a escola faz por eles. Ela os escolariza para confundir processo com substância. Alcançado isto, uma nova lógica entra em jogo: quanto mais longa a escolaridade, melhores os resultados; ou, então, a graduação leva ao sucesso. O aluno é, desse modo, «escolarizado» a confundir ensino com aprendizagem, obtenção de graus com educação, diploma com competência, fluência no falar com capacidade de dizer algo novo. Sua imaginação é «escolarizada» a aceitar serviço em vez de valor. Identifica erroneamente cuidar da saúde com tratamento médico, melhoria da vida comunitária com assistência social, segurança com proteção policial, segurança nacional com aparato militar, trabalho produtivo com concorrência desleal. Saúde, aprendizagem, dignidade, independência e faculdade criativa são definidas como sendo um pouquinho mais que o produto das instituições que dizem servir a estes fins; e sua promoção está em conceder maiores recursos para a administração de hospitais, escolas e outras instituições semelhantes.” ILLICH, Ivan. Sociedade sem escolas. Trad. de Lúcia Mathilde Endlich Orth. 7. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1985, p. 16.
[6] Os dados serão apresentados ao longo da série de artigos que serão publicados sobre este tema.
[7] Então, “[…] a capacidade de educar alguém é inversamente proporcional à oficialidade do ato e diretamente proporcional à liberdade de adesão do educando. A educação prospera mais quando se a procura livremente.” NASSER, José Monir. Para Entender O Trivium. In: JOSEPH, Miriam. O Trivium: As Artes Liberais da Lógica, Gramática e Retórica. Trad. e adapt. De Henrique Paul Dmyterko. São Paulo: É Realizações Editora, 2011, p. 11-12.
[8] ILLICH, Ivan. Sociedade sem escolas. Trad. de Lúcia Mathilde Endlich Orth. 7. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1985, p. 25.
[9] ” A escolaridade não promove nem a aprendizagem e nem a justiça, porque os educadores insistem em embrulhar a instrução com diplomas. Misturam-se, na escola, aprendizagem e atribuição de funções sociais. Aprender significa adquirir nova habilidade ou compreensão, enquanto que a promoção depende da opinião formada de outros. A aprendizagem é, muitas vezes, resultado de instrução, ao passo que a escolha para uma função ou categoria no mercado de trabalho depende, sempre mais, do número de anos de freqüência à escola.” [sic] ILLICH, Ivan. Sociedade sem escolas. Trad. de Lúcia Mathilde Endlich Orth. 7. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1985, p. 26.
[10] “O sistema escolar repousa ainda sobre uma segunda grande ilusão, de que a maioria do que se aprende é resultado do ensino. O ensino, é verdade, pode contribuir para determinadas espécies de aprendizagem sob certas circunstâncias. Mas a maioria das pessoas adquire a maior parte de seus conhecimentos fora da escola; na escola, apenas enquanto esta se tornou, em alguns países ricos, um lugar de confinamento durante um período sempre maior de sua vida.
“A maior parte da aprendizagem ocorre casualmente e, mesmo, a maior parte da aprendizagem intencional não é resultado de uma instrução programada. As crianças normais aprendem sua primeira língua casualmente, ainda que mais rapidamente quando seus pais se interessam. A maioria das pessoas que aprendem bem outra língua conseguem-no por causa de circunstâncias especiais e não de aprendizagem seqüencial. Vão passar algum tempo com seus avós, viajam ou se enamoram de um estrangeiro. A fluência na leitura é também, quase sempre, resultado dessas atividades extracurriculares. A maioria das pessoas que lê muito e com prazer crê que aprendeu isso na escola; quando conscientizadas, facilmente abandonam esta ilusão. [sic] ILLICH, Ivan. Sociedade sem escolas. Trad. de Lúcia Mathilde Endlich Orth. 7. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1985, p. 27.
[11] ILLICH, Ivan. Sociedade sem escolas. Trad. de Lúcia Mathilde Endlich Orth. 7. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1985, p. 60.