O público reclama da morosidade do tráfego no centro da cidade, mas o poder público parece ter resposta para todas as questões. Afinal, qual é o diagnóstico do nosso trânsito?
Se você já usou o carro em Passo Fundo, todos os dias ou eventualmente, já encarou um trânsito complicadíssimo, em diversas horas do, digamos, horário comercial. A Avenida Brasil, principal via da cidade, ganha uma fila interminável de carros, tem sinaleiras que não parecem ajudar e suas vias paralelas, que poderiam mitigar o congestionamento, sofrem de problema similar. E a situação vem se arrastando na última década, atravessou as administrações Dipp e Luciano e cá estamos nós, novamente, sem uma solução. Será que adianta penalizar os carros e seus proprietários por questões ideológicas, forçar a existência de um “modal” chamado bicicleta ou mesmo insistir no uso de caminhos alternativos em detrimento de grandes obras? Este é o discurso vigente no Paço Municipal e a coisa parece não funcionar.
Este “discurso da administração” aqui analisado vem de uma compilação de declarações para a imprensa passo-fundense, falas em eventos públicos ou textos publicados nos canais oficiais da prefeitura na internet, do próprio prefeito Luciano Azevedo ou de sua secretária de planejamento, a arquiteta e urbanista Ana Paula Wickert.
Grandes Obras
Categoricamente, o prefeito já declarou que não se resolve o problema do trânsito de Passo Fundo com grandes obras. Na falta de um aprofundamento sobre o que seria na realidade uma grande obra, vamos imaginar que seja uma referência aos recursos utilizados por muitas cidades com problemas extremos de trânsito, em destaque a “trincheira”, um corte na rua que permite a passagem de veículos entre vias perpendiculares, algo como atravessar a Chicuta através da Brasil, por baixo da mesma, sem interrupções, sem sinaleira. Ou atravessar a Brasil sem a preocupação de mais este ponto de parada do fluxo (o cruzamento é um dos mais movimentados da cidade e possui um desnível natural).
Obras como esta, em outras cidades, custaram entre 4 e 8 milhões de reais, dependendo da técnica utilizada e da complexidade da região. É questão de escolha, não de possibilidade de investimento (vide o custo do Parque da Gare). Para a secretária de planejamento, o centro de Passo Fundo não é para este tipo de obra e elas criam “espaços anti-sociais e são extremamente prejudiciais ao comércio”.
Uma trincheira sobre a rodovia PR-151 construída na cidade de Ponta Grossa, no Paraná. Ao custo de R$ 4 milhões, foi entregue em fevereiro de 2016. Foto: Pedro Ribas/ANPr. Reportagem original, aqui.
A Bicicleta
Vendida como alternativa moderna, não poluente, prafentex, ecológica e tantos outros adjetivos de uma agenda progressista para a mobilidade urbana, a bicicleta por aqui já ganhou algumas ciclovias, a administração adotou o aluguel de estações para o compartilhamento espalhadas por alguns pontos da cidade e inflou números do uso das mesmas, baseados em projeções, visto que o único dado disponível para os técnicos parece ser a hora da retirada e devolução dos equipamentos, sem revelar exatamente quanto cada bicicleta trafegou ou mesmo se foi retirada para lazer ou ir do ponto A ao ponto B, usada por um trabalhador como uma legítima alternativa de transporte. Apesar desta falta de dados, o site da prefeitura publicou, em fevereiro deste ano, números até mesmo de “gás carbônico economizado pelo sistema”. E toda retirada é tratada como viagem.
É claro que a cidade possui uma comunidade de ciclistas bem diversificada, em diversos níveis, dos mais básicos (com voltinhas curtas de final de semana) até os avançados, reunidos em grupos que fazem verdadeiras maratonas com as bicicletas. No geral, a adoção em massa de bicicleta por aqui, como proposta que altere de verdade o transporte público, é limitada pelo relevo e pelo nosso clima. Nossas universidades e fábricas não estão lotadas de bicicletas esperando pelos donos nos intervalos das atividades (ao contrário da garagem de muitos condomínios).
Passo Fundo não tem congestionamento
Outro ponto interessante defendido pela prefeitura é a da não existência de congestionamento, fora dos horários de pico. É claro que as vias da cidade não ficam atoladas de carros durante as 24 horas do dia. Mas afirmar que não existe congestionamento no geral, parece um pouco de exagero. E o problema vem dos horários de pico e das deficiências de desenho e gerenciamento das vias, visto que uma saída de garagem, um erro qualquer no fluxo ou um acidente geram danos tremendos ao fluxo de diversas vias. Nós não temos os relatórios detalhados das consultorias (nem solicitamos), mas aqui vão algumas tabelas de movimentação de pessoas X horários, de diferentes pontos da cidade, ao longo do dia, dos últimos 30 dias. O recurso é utilizado por administradores de páginas no Facebook, para o desenvolvimento de estratégias de marketing para o comércio na internet. Claro que significa na realidade celulares (acompanhando pedestres ou motoristas e passageiros de veículos com celular), mas vale como indicador.
Movimentação na Av. Brasil, bairro Boqueirão, nas proximidades da Pampa Veículos.
Movimentação Av. Brasil, Teatro Múcio de Castro.
Paissandú esquina Saldanha Marinho
Notem que a quantidade de dispositivos detectados nas diferentes horas do dia realmente tem picos, mas não tão acentuados em relação ao resto do dia. Existe uma quantidade considerável de pessoas entre as 7 da manhã e as 10 da noite na cidade. Vamos dizer então que só os extremos são importantes? Ainda assim, comprometem uma boa parcela do dia com mais congestionamentos e menos qualidade de vida para as pessoas (aquelas que estavam em primeiro na campanha eleitoral).
Esta Administração não quer construir terminais de ônibus
Com o argumento “Passo Fundo é uma cidade radial”, algo como uma cidade com vias em formato de círculos concêntricos (será mesmo que nossa cidade é assim?), não teremos terminais de ônibus por aqui. As pessoas que são humilhadas nos paradões do Banco do Brasil, Clube Comercial e UPF Idiomas parecem discordar. São décadas esperando por coletivos na beira da Avenida Brasil, na chuva, no frio ou no calor, em estruturas precárias e perigosas. Parece que existe uma confusão entre “anel viário” e círculo. Este desenho que vem da administração Dipp e nasceu um labirinto mas pensa que é um anel, é tratado pelos técnicos de hoje como dogma. Um milagre proporcionado por aplicações de tinta no chão e placas indicativas, para quem quer ir de um bairro ao outro.
Um “paradão” da Avenida Brasil, visto pelo Google Street View. Acesse este link para verificar este mesmo ponto de Passo Fundo, ao longo dos anos. Detalhe: o canteiro deste ponto da avenida foi totalmente reformado.
A cidade que fatura milhões com IPVA, cospe no prato que come
O carro, vilão número um dos planejadores progressistas, proporciona uma arrecadação milionária aos municípios, só em IPVA. Em Passo Fundo, a arrecadação foi de R$59 milhões em 2016 (50% do valor é destinado ao município onde o carro foi emplacado). Adicione todos os serviços e comércio na área automotiva. Será que o proprietário de um veículo em Passo Fundo não merece um desenho inteligente do trânsito e conforto no seu direito de ir e vir?
Ideologias e “ditames da ONU” fora, não se sabe ao certo pra onde irá o trânsito de Passo Fundo. O fato é que milhares de pessoas que dirigem nesta cidade ou sofrem os efeitos do trânsito ruim quando são passageiras dos ônibus, estão insatisfeitas. Políticos, via de regra, colhem na população os anseios e tentam faturar votos justamente propondo (e executando) ações que solucionem os problemas. Sabemos que grandes obras carregam o potencial de grandes problemas e até mesmo a impopularidade pela pressa dos impacientes, mas é preciso coragem para mudar. Se a cidade não é a mesma de 5, 10 anos atrás, assim será muito pior nos próximos 5 ou 10 anos, época na qual os autores dos erros de hoje já não estarão mais por aqui.