Na última sexta-feira, o programa Conversas com Bial, uma espécie de Esquenta que mudou da laje do subúrbio para o apartamento no Leblon, veio com uma velha cantilena relativista: O historiador Leandro Karnal, o humorista Welder Rodrigues e o neurocientista Jorge Moll falaram das “pequenas corrupções” cotidianas.
Na abertura do programa, o apresentador Pedro Bial, como que falando para a “nave Big Brother”, convidou os telespectadores para refletir: “No Brasil de 2017, um escândalo engole o outro nas ondas de um tsunami de corrupção que choca a consciência nacional. E quando a consciência nacional olha para seu espelho íntimo? O que vê? Será que somos corruptos só na grande escala? Será que a grande corrupção começa nas nossas pequenas corrupções de cada dia?” A partir de então, passa a elencar, junto com os convidados e a plateia, quais seriam as tais “corrupções”: baixar filme da internet, assinar a lista de presença pelo colega, compartilhar notícias falsas, furar fila, tirar xerox para uso pessoal no trabalho, parar o carro na faixa amarela, entre outros exemplos.
Você, usuário do Popcorn Time, pode ser o quadrilheiro de amanhã. Seguindo esse raciocínio brilhante, que coloca o ato de baixar filmes em uma escala que pode resultar no pagamento de propina a parlamentares, usuários de Youtube que acessam o conteúdo sem copyright postado no site são criadores do ambiente de desonestidade que domina o país.
No meu Facebook comentei que não se pode considerar corrupção o que não passa de infração cotidiana, praticada não apenas aqui, mas em outros inúmeros países do mundo onde nem de longe episódios como o do Petrolão ocorreram. A corrupção não é característica de sociedades que baixam filmes pirateados, mas de sociedades que têm estados letárgicos, consistentes elites dirigentes e baixo nível de punibilidade.
Nossa classe formadora de opinião perdeu qualquer noção de hierarquia, de razão de causa e efeito, de ordenamento lógico. Desde a chegada do PT ao poder, há um esforço intelectual no sentido de depreender a delinquência metódica de um comportamento antiético supostamente coletivo. A ação abstrata e generalizada da população seria a matriz genética dos casos objetivos de corrupção que são noticiados nos jornais.
Em abril, o ator José Mayer foi alvo de uma acusação de assédio por uma colega figurista que trabalhava na Rede Globo. Em uma carta pública na qual pedia desculpas, se justificou afirmando que era “fruto de uma geração que aprendeu, erradamente, que atitudes machistas, invasivas e abusivas podem ser disfarçadas de brincadeiras ou piadas”. Eis ai a terceirização culposa de que se valem tipos como Pedro Bial e Leandro Karnal.
Assim como a geração de José Mayer não é responsável pelas suas cafajestagens privadas, o brasileiro médio não é responsável por Joesley distribuir malas de dinheiro em Brasília. Imaginar isso é o mesmo que atribuir a quem anda de carro sem cinto de segurança a responsabilidade pela ação de estupradores.