O senador Lasier Martins (PSD) cumpriu agenda em Passo Fundo. Conversou com colegas de partido, explanou na Câmara de Vereadores e visitou uma escola. Já a narrativa gerada na cidade, especialmente através do site da prefeitura, usou de licença poética.
De passagem pela Capital Nacional da Literatura, no dia primeiro de setembro, o Senador da República Lasier Martins (PSD), incluiu no roteiro uma visita à escola municipal Zeferino Demétrio Costi. Na mala, alguns exemplares do livro “Constituição em Miúdos“, obra criada por uma equipe da escola legislativa da cidade de Pouso Alegre, no interior do estado de Minas Gerais. Publicado pelo Senado Federal, o livro é de distribuição gratuita para todo o Brasil.
O próprio senador divulgou o evento no facebook, dando destaque para o fato de ter entregue exemplares do livro. E foi o que aconteceu: um senador esteve em Passo Fundo, visitou uma escola e aproveitou para fazer um agrado, distribuindo exemplares gratuitos de um livro publicado (e escrito) com dinheiro público.
Então vem a Prefeitura de Passo Fundo e publica, no dia 3 de setembro, um texto contando a sua versão da história, com destaque para a “doação de dezenas de livros” realizada pelo Senador, as presenças ilustres no ato e a descrição parcial da obra. Com imagens creditadas ao fotógrafo oficial da prefeitura (Alex Borgmann), o mesmíssimo texto, letra por letra (incluíndo um erro de ortografia), foi publicado um dia antes no site da Rádio Uirapuru. Os cenários que poderiam explicar esta duplicidade não são os melhores. Estaríamos nós (contribuintes) pagando por uma estrutura que manda releases para a imprensa e só depois publica o próprio conteúdo? Ou pior: uma estrutura que copia textos de uma emissora de rádio?
Texto publicado no site da prefeitura, na URL http://www.pmpf.rs.gov.br/interna.php?t=19&c=11&i=11967. O “dez a doação” foi (ou veio) junto na cópia (ou original) da Rádio Uirapuru.
Doação é passar na livraria do Bella Cittá, comprar 200 exemplares de “As Irmãs Romanov” e distribuir para a gurizada. Entregar publicações do Senado é apenas um mimo ou agrado. E um senador nem poderia executar este tipo de ação (sair por aí dando brindes gastando o próprio dinheiro) por uma questão de ética. O favorecimento de grupos escolhidos a esmo, ainda que sejam alunos de escolas públicas e livros, talvez encontre vedação até no Código de Ética do Senado.
A obra
O livro “Constituição em Miúdos” foi desenvolvido por um núcleo de pessoas que queria levar a Constituição Federal para o público infanto-juvenil através de uma linguagem fácil, atraente e com o uso de personagens e situações do dia a dia. O mesmo núcleo trabalha para divulgar o trabalho da Câmara de Vereadores de Pouso Alegre para os alunos da rede municipal de ensino, mostrando o trabalho dos vereadores. É possível baixar o pdf do livro neste endereço. Suas 126 páginas interpretam a Constituição, dão um tom próprio para algumas definições legais e há também um “Glossário” explicando alguns verbetes. A definição de comunismo é bem ingênua na superficialidade:
Nosso bônus: em raríssimos três minutos, Olavo de Carvalho explica, de forma bem simples, o que é o comunismo:
Outros verbetes receberam definições ainda piores. No geral, o livro até reflete muito bem o espírito da coisa, com a palavra “direitos” aparecendo 54 vezes e “deveres” apenas 10, seguidos por definições peculiares para diversos aspectos da nossa vida.
Inocente neste processo, nosso Senador só pecou na escolha da obra. Pensando melhor, apenas um belo, inspirador e inesquecível discurso direto nos corações dos alunos seria suficiente. Quanto aos nossos contadores de histórias, mais uma vez demonstraram a tentativa de cravar narrativas no imaginário popular, com beneficiários difusos nestes tempos de incertezas eleitorais.