A liberdade de expressão é uma conquista do Ocidente. Foi sendo talhada ao longo dos séculos até se transformar numa característica da nossa sociedade. Em nenhum outro lugar do mundo a manifestação de pensamento é entendida como um direito absoluto a ser exercido por todos.
Nas democracias liberais é amplo o debate sobre os limites do direito de opinião. Há quem entenda que há espaço para todos os pontos de vista, inclusive aqueles que podem ser considerados hediondos e asquerosos. Estes aceitam a manifestação até mesmo de racistas, desde que dentro dos limites da lei estabelecida. Outros entendem que não se trata de um direito absoluto, e que só pode ser tolerada a opinião que não restrinja a liberdade alheia ou propagandeie o que é considerado ilegal e criminoso. Em outras palavras: não pode a democracia liberal acolher um apanágio intelectual que a vilipendie ou a inviabilize.
O nazismo é corretamente criminalizado porque sua doutrina estabelece como meta uma nação dividida a partir de critérios raciais que privilegiam uns em detrimento de outros. O preconceito é a base de sua linha programática. Sua defesa pública não é uma mera opinião, mas um ato criminoso que precisa ser reprimido e punido, sob pena de por em risco a paz social e a igualdade de direitos.
Faço essa introdução para chegar ao debate sobre a exposição “Queermuseu”, que era realizada no Santander Cultural de Porto Alegre e que pretendia promover os gêneros sexuais por meio de quadros, montagens e esculturas. Alvo de uma mobilização contrária intensa nas redes sociais, a mostra foi cancelada de forma antecipada, para desgosto da classe artística descolada e do jornalismo politicamente correto.
Os críticos da exposição, que organizaram até mesmo um boicote ao Banco Santander, agora estão sendo acusados de censura. A cobertura da quase totalidade da mídia tenta vender a narrativa de que os artistas responsáveis pelo conteúdo da “Queermuseu” são vítimas incompreendidas de brucutus conservadores e autoritários.
Antes de mais nada, é preciso esclarecer que está se operando uma confusão premeditada entre censura e boicote. A censura é um ato de poder unilateral. Um organismo estatal poderoso pode restringir opiniões que julgar inadequadas. É o que acontece na totalidade dos regimes ditatoriais. O boicote, entretanto, é uma ação livre e difusa. Nasce a partir da mobilização social espontânea e tem como base a pressão advinda de grupos e indivíduos.
A população, que inclusive ajudou a financiar a exposição, tem todo o direito de se manifestar publicamente contra o conteúdo artístico divulgado pelo Santander Cultural, inclusive com um movimento organizado contra o Banco mantenedor da Instituição. O Santander, por sua vez, tem o direito de criar o evento que bem entender, e de arcar com as consequências de contrariar parte considerável do público, incluindo aí eventuais clientes. Se o Banco optou por cancelar a “Queermuseu”, não o foi por ordens de terceiros, mas por entender que o custo-benefício de mantê-la era baixo e contraproducente para sua imagem.
Por fim, é de se questionar a forma como o conteúdo altamente erotizado da exposição foi apresentado para o público. Não havia qualquer tipo de controle de faixa etária. Muito pelo contrário, o projeto de financiamento apresentado no Ministério da Cultura explicitava o objetivo de difundir o teor da “Queermuseu” na comunidade escolar. O alvo, portanto, era o público infantil, como bem demonstrou o jornal Gazeta do Povo ao comprovar que crianças visitaram a exposição.
Ainda que necessária, a liberdade de expressão deve ser utilizada com responsabilidade e seguindo os parâmetros legais. Do modo como se deu, a “Queermuseu” infringiu o Estatuto da Criança e do Adolescente e promoveu o erotismo entre menores de idade. É a instrumentalização da arte como apologia perversa.