No último dia 12 de agosto, a pacata cidade de Charlottesville, na Virgínia (EUA), com seus menos de 50 mil habitantes, ganhou notoriedade mundial por ter se tornado palco de confronto violento entre coletivos de extrema-esquerda e supremacistas brancos no qual uma pessoa morreu e 19 ficaram feridas.
Confronto em Charlottesville, Virginia (Joshua Roberts/Reuters)
As circunstâncias em que o embate se deflagrou deixam muitas perguntas a serem respondidas, a começar pela negligência das autoridades locais que possibilitou o enfrentamento entre as duas facções. Passados 30 dias, muito se especulou sobre o caos planejado e idealizado por políticos e financiadores da extrema-esquerda, que visavam, por meio da tragédia, alimentar a falsa narrativa de que, sob os Estados Unidos de Donald Trump, a América está sendo dominada pela Klu Klux Klan. Porém, passada a comoção inicial, é importante analisar o acontecimento de maneira racional, entendendo o contexto, discernindo os lados envolvidos e os possíveis desdobramentos da batalha cultural nos Estados Unidos.
A batalha em Charlottesville não começou em agosto de 2017, mas em março de 2016, quando Zyahna Bryant, estudante negra no segundo grau da rede pública de ensino, apresentou uma petição ao Concílio Municipal de Charlottesville pela retirada da estátua do general confederado Robert E. Lee de um parque público na cidade. Dois meses depois, o Concílio criou uma comissão para discutir o futuro do monumento e, em fevereiro de 2017, votou pela sua remoção. Desde então, opositores à retirada da estátua realizaram diversas manifestações na cidade, a última delas durante o evento conhecido como Unite the Right (“Unir a Direita”, em tradução livre), cujas cenas do enfrentamento com militantes do coletivo de esquerda Antifa viralizaram pelo mundo.
(Estátua do general Lee)
O debate a respeito da remoção de monumentos, bandeiras e demais símbolos da antiga Confederação dos Estados do Sul dura mais de uma década, embora tenha ganhado maior intensidade nos últimos anos. A rebelião dos Confederados contra a União, liderados pelo general Robert E. Lee, resultou na mais sangrenta guerra da história dos EUA (1861 a 1865), com mais de 600 mil mortos. As causas que levaram à Guerra Civil Americana são, até hoje, tema de debate entre os historiadores, mas é consenso que no “olho do furacão” estava a causa abolicionista. Os confederados lutavam pela soberania de seus Estados, o que incluía, na época, o direito de possuir escravos. Como nos ensina a História, os rebeldes perderam a guerra e a indivisibilidade da União foi preservada. No entanto, a extinção da antiga Confederação não aniquilou o espírito confederado e, menos de 50 anos após o fim da Guerra Civil, centenas de monumentos a generais confederados já haviam sido construídos em todo o Sul – a maioria no começo do século XX, em plena vigência das leis segregacionistas conhecidas como “Jim Crow”.
Um século mais tarde, o valor e o significado desses monumentos entre os americanos variam de acordo com o entrevistado. Fora da antiga Confederação, nem todos os conservadores possuem afeição para com a simbologia confederada, e alguns entendem que estes monumentos se adequariam melhor em museus e cemitérios do que em parques públicos devido à sua história controversa. Os “justiceiros sociais” que compõem coletivos de extrema-esquerda, como o Black Lives Matter e o Antifa, exigem a remoção das estátuas por vê-las como um símbolo da supremacia branca. Já nos Estados do Sul, que compunham a antiga Confederação, atualmente muitos desassociam a simbologia confederada de qualquer passado racista, defendendo-a como uma maneira de preservar a cultura de um povo local e honrar a memória e os atos de bravura de seus antepassados.
É importante lembrar que a maioria dos soldados confederados não possuía escravos e, em uma época em que rádio e TV ainda não existiam, a identificação do cidadão com seu Estado natal e com as leis locais era infinitamente maior do qualquer sentimento patriótico ou a lealdade a um distante governo central, sediado em Washington, DC. O próprio general Robert Lee, por exemplo, via a escravidão como algo antinatural e entendia que a dissolução da União seria uma calamidade. Porém, na iminência de uma Guerra Civil, Lee se viu impossibilitado de levantar sua espada contra a Virgínia, seu Estado natal, e juntou-se aos rebeldes contra a União. O conhecimento deste contexto em que se deu a Guerra Civil é importante para entendermos que, do mesmo modo que nem todos os soldados que defenderam a Confederação eram donos de escravos ou eram a favor da escravidão, nem todos os descendentes destes confederados, que hoje defendem a preservação da bandeira e de monumentos confederados em espaços públicos, são necessariamente racistas. Colocar todos os que se opõem à retirada dos monumentos confederados na mesma categoria dos neonazistas e demais supremacistas brancos é, na melhor das hipóteses, ignorância acerca da história e da cultura do povo do Sul e, na pior delas, a difusão de mais uma falsa narrativa criada pela esquerda para destruir a reputação de seus oponentes.
Seria igualmente um erro ignorar o fato de que monumentos confederados são usados por grupos supremacistas como ponto de encontro e como símbolos à sua ideologia racista. Grupos supremacistas sempre existiram desde a fundação dos EUA, mas nos dias atuais tais movimentos não passam de uma minoria barulhenta fazendo uso de seu direito de livre expressão. Quando membros da Klu Klux Klan, o mais notório grupo supremacista dos EUA, vão às ruas vestidos em seus lençóis e gorros fantasmagóricos, eles, como minoria que são, têm seus direitos de livre expressão assegurados a despeito do teor repugnante de sua mensagem – princípio que muitos definem como o “preço da liberdade”. A Constituição Americana, por meio da 1ª Emenda, diferencia o discurso ofensivo e inflamatório (por exemplo, “brancos são superiores a negros, judeus e índios”) da incitação à violência (“negros, judeus e índios devem ser exterminados”), protegendo o primeiro e criminalizando a segunda. No entanto, de acordo com o Southern Poverty Law Center, a KKK possui entre 5 mil e 8 mil membros somente – em uma população de mais de 325 milhões de americanos (!!!). É evidente, portanto, que toda a histeria em torno de uma “América nazista” sob Trump é resultado de uma falsa narrativa fabricada pela imprensa militante, que amplia a ameaça proporcionada pela existência de supremacistas brancos a níveis estratosféricos, totalmente desassociados da realidade. Ao contrário do que reporta a grande mídia, supremacistas brancos não possuem nenhum poder político e não representam nenhuma ameaça real à América.
Por outro lado, coletivos de extrema-esquerda como o Black Lives Matter e black blocs como o Antifa estão em plena ascensão. Eles são resultado da revolução cultural promovida pela esquerda desde os anos 1960 e são apoiados por poderosos indivíduos e grupos de interesse que controlam os meios de ação: possuem poder político, pautam a narrativa da imprensa e controlam as universidades.
Após os confrontos em Charlottesville, o Presidente Donald Trump condenou os supremacistas brancos publicamente e o Partido Republicano passou uma resolução declarando que o ideário racial supremacista é incompatível com a agenda conservadora do partido. Infelizmente, o mesmo não se pode dizer do Antifa (que ironicamente quer dizer “antifascismo”), cujas ações terroristas são constantemente normalizadas pela Academia e pela imprensa. Isso ficou óbvio na ocasião em que Trump culpou “os dois lados” (supremacistas brancos e antifas) pela violência em Charlottesville. A mídia, que havia noticiado o fato como um enfrentamento entre neonazistas e “manifestantes contra o racismo”, desatou uma avalanche de críticas ao Presidente por ele ter criado uma equivalência moral entre os dois lados. Sabe-se, porém, que os anarquistas do Antifa, que defendem abertamente o uso da violência, já haviam deixado seu rastro de destruição em diversas cidades americanas antes de Charlottesville: mais de 200 pessoas foram presas em atos de vandalismo e violência nas ruas de Washington durante a posse do presidente Donald Trump; Portland, no Estado de Oregon, tem sido palco constante de diversos protestos em que manifestantes do Antifa incendiam latas de lixo, vandalizam veículos e saqueiam comércios; em Berkeley, Califórnia, casa da famosa Universidade de Berkeley, o Antifa vandaliza o campus e bloqueia as ruas de acesso à Universidade sempre que um conservador é convidado para palestrar. Chicago, Dallas, Baltimore e Sacramento também viram suas ruas se transformarem em campos de batalha. Com seus rostos cobertos e porretes na mão, os terroristas de negro avançam em sua cruzada anarquista e anticapitalista, convenientemente rotulando de “fascista” qualquer um que se oponha à sua ideologia, no intuito de assim legitimar o uso da violência contra seus adversários – não somente supremacistas brancos, mas também conservadores e liberais clássicos. E tudo sob o olhar conivente do Partido Democrata e parte da imprensa que legitimiza o fascismo dos “antifascistas”.
(Antifa: Protestos na posse de Trump)
Desde os anos 60, a esquerda americana mobiliza movimentos revolucionários e, por meio deles, emprega a violência como forma de intimidação. Entretanto, após 8 anos de extrema polarização racial durante a presidência Obama, vemos hoje uma verdadeira insurreição de facções coletivistas e suas ideologias identitárias (movimento negro, feminismo, LGBTQ, etc.) que substituíram a velha luta de classes do marxismo clássico (burguesia versus proletariado) pelo ideário da luta entre o “oprimido versus opressor”. Apesar de suas diferentes ênfases, todas estas facções identitárias possuem um inimigo em comum: o homem heterossexual branco e cristão, suposto detentor de privilégios imerecidos, adquiridos em virtude de sua raça, sexo ou religião. Estes grupos alegam que o sexismo, o racismo e demais formas de opressão são inerentes ao capitalismo e às instituições da sociedade americana; que as injustiças do passado precisam ser corrigidas por meio de políticas afirmativas e, sempre que necessário, por meio da violência.
A vitória de Donald Trump foi o veredicto do povo americano contra a ideologia identitária da esquerda. Um voto por Donald Trump foi um voto a favor do capitalismo, um voto contra o coletivismo e pelas liberdades individuais, pelo respeito à história dos EUA e seus símbolos patrióticos, e por todas as demais coisas que fizeram dos Estados Unidos um grande país. Os americanos, em sua vasta maioria, reagiram por meio de uma revolução pacífica e silenciosa, destronando, por meios democráticos, os revolucionários que desejam, através do caos, destruir a América e construir um “paraíso igualitário” sobre as suas cinzas. Entretanto, toda reação vem com suas doses de extremismo: à medida que as ideologias identitárias são forçadas goela abaixo da população por meio da imprensa e da Academia, é de se esperar que uma reação extremada surja na forma de uma ideologia identitária para brancos.
Podemos tomar como exemplo a chamada “Direita Alternativa”, ou Alt Right em inglês – uma associação informal de movimentos que pregam contra o politicamente correto, contra as políticas afirmativas e contra a política de fronteiras abertas do Partido Democrata. Apesar de sua agenda aparentemente conservadora, seus principais expoentes como Richard Spencer, Jared Taylor e Vox Day são supremacistas brancos assumidos com a diferença de que, em contraste com os trogloditas da KKK, são carismáticos e articulados. Pela maneira sofisticada e inteligente de que refutam o multiculturalismo, o feminismo e o racismo reverso (contra brancos) que emanam das elites progressistas, a Alt Right tem sido normalizada por alguns conservadores brancos cansados de serem demonizados pela esquerda e culpados pelos pecados sociais de gerações passadas. O website conservador Breitbart se autodenominou “o ponto de encontro da Alt Right” e Jared Taylor – que advoga em favor do segregacionismo e de uma suposta superioridade da raça branca com relação à raça negra – participou de entrevistas bastante amigáveis nos programas de Stefan Molyneux e Gavin Mcinnes.
À primeira vista, a Alt Right e o conservadorismo mainstream falam a mesma língua, principalmente quando a Alt Right denuncia os agentes do marxismo cultural em sua cruzada contra a chamada “Civilização Ocidental”. Entretanto, para o conservador típico, a “Civilização Ocidental” é um conjunto de valores e tradições que, se preservados, levarão à ordem social e à prosperidade de um grupo de pessoas, independentemente de raça. Já para os expoentes da Alt Right, ideologia e raça são intrinsicamente inseparáveis, sendo a “Civilização Ocidental” um sistema criado por brancos e incapaz de ser gerido por não brancos. Deste conceito deriva sua oposição ferrenha à imigração de não caucasianos aos EUA, seja ela legal ou ilegal.
O conservadorismo autêntico rejeita o multiculturalismo, mas defende a assimilação cultural, ao contrário da Alt Right. O conceito que defendemos, conhecido como “Civilização Ocidental”, não é fundamentado em raça, mas sim em ideias. A ênfase na liberdade do indivíduo e suas responsabilidades pessoais, o entendimento de que todos os homens são criados iguais e dotados por Deus (não pelo Estado) por direitos inalienáveis (como vida e liberdade) a serem protegidos por um governo eleito pelo povo, em um sistema de freios e contrapesos (separação de poderes) – esses são os pilares nos quais se sustentam a ordem e o progresso. Supremacistas brancos negam este conceito, contido no segundo parágrafo da Declaração de Independência dos EUA. Apesar de representarem uma porção minúscula dos americanos, como dito acima, estes grupos precisam ser veementemente rechaçados pela chamada “direita conservadora” antes que o câncer se espalhe. O flerte entre movimentos como a Alt Right e o conservadorismo mainstream contribui para o surgimento de um efeito colateral indesejado na luta contra o multiculturalismo: a normalização da ideologia identitária branca, que nada mais é do que o vitimismo racial em sua versão anglo-saxã, promulgado por brancos que enxergam o mundo de uma perspectiva de soma-zero (assim como os marxistas que dizem combater) e, consequentemente, sentem-se ameaçados pela presença de judeus, negros e imigrantes não caucasianos em seu país.
Ao contrário da percepção da maioria, o que vimos em Charlottesville não foi o enfrentamento entre forças opostas. Coletivos como Black Lives Matter e Antifa, assim como os movimentos supremacistas, são somente retalhos diferentes extraídos do mesmo corte de tecido. Ambos são aberrações paridas da mesma mãe chamada “ideologia identitária”, que encontram em seu oponente a razão de sua existência e se abraçam em um processo infinito de retroalimentação: diante de políticas identitárias para negros, surge uma política identitária para defender a raça branca; a partir do surgimento/crescimento de uma ideologia identitária para brancos, emergem coletivos terroristas como o Antifa – e assim por diante. Diante destes fatos, a conclusão é a de que o Presidente Trump está correto: os dois lados foram culpados pela violência em Charlottesville. Ambas as facções são um câncer a ser confrontado na sociedade. E o conservadorismo autêntico é aquele que se desponta como uma alternativa à ideologia identitária, seja branca, negra, feminista ou LGBTQ. Sua missão é inundar o imaginário popular com uma mensagem positiva e inclusiva, fundamentada na experiência humana, na sabedoria acumulada de múltiplas gerações, através da exposição de princípios que comprovadamente trazem liberdade, ordem social e prosperidade a indivíduos, famílias e nações que os adotem.