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O caso Aécio Neves: o moralismo como alimento do baguncismo

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A Lava Jato poderia ter sido o antídoto ao ambiente público nocivo do país. Nas condições atuais, que não foram modificadas desde o advento da investigação em curso, o que temos são enormes estruturas estatais repletas de burocratas e uma elite econômica que se escora no governo para não correr os riscos do capitalismo de livre mercado. De um lado, os donos do poder político, com sua voracidade de se perpetuar na máquina pública; doutro lado, os grandes empresários, dispostos a obter facilidades em troca de recursos financeiros para o custeio de campanhas eleitorais. É uma sociedade perversa que poderia ser combatida com a desestatização da economia.

Mas quem disse que figuras como Deltan Dallagnol, Carlos Fernando e Rodrigo Janot querem reduzir o Estado? A trinca acredita que o problema é em nosso sistema político, e que este precisa ser reformado se queremos alcançar o padrão de moralidade que eles têm em suas cabeças. E quem não estiver de acordo com sua utopia moral é aliado objetivo dos corruptos e defensor da impunidade.

Já afirmei que a Lava Jato trocou a produção de provas pela produção de teorias políticas. E no bojo desta inflexão irresponsável, abriu-se caminho para que os teóricos de sempre passassem a tentar moldar a realidade segundo suas abstrações.

Nas ruas do país há um desejo sincero de combate aos criminosos que infestam as esferas do poder. A corrupção no Brasil é endêmica e afeta profundamente a qualidade dos serviços públicos. A sociedade não aguenta mais a roubalheira contínua que é praticada contra seu bolso. Houve, entretanto, a instrumentalização deste sentimento popular em favor de um moralismo perigoso e altamente prejudicial para nossa ordem legal.

A luta contra a impunidade, que deve se dar nos limites da lei, foi pervertida por uma sanha de punição a qualquer preço que aprofundou a crise institucional. Com o beneplácito do próprio Supremo Tribunal Federal, rasgamos a Constituição no intento de colocar os bandidos atrás das grades. O que vimos na realidade foram bandidos passeando em Nova York.

O caso Aécio Neves é emblemático. O Senador tucano, flagrado em conversas com Joesley Batista, acabou se tornando um dos alvos diletos de Rodrigo Janot, o Procurador-Geral da República, cujo braço direito se bandeou do Ministério Público para a banca de advogados da JBS sem nem mesmo aguardar o transcorrer da quarentena. Ignorando o que vai disposto na Constituição, foi pedida até mesmo sua prisão. Por duas vezes Aécio foi afastado de suas atividades parlamentares, tudo com o beneplácito de membros do STF.

O que há de jurídico ou de legalista no afastamento de Aécio? Nada. O parágrafo segundo do artigo 53 da CF é explicito em determinar as condições em que se dará a prisão de membros do Congresso Nacional. Gente como Janot, Edson Fachin, Luiz Fux, Rosa Weber e Luis Roberto Barroso, entretanto, preferiu dar de ombros para a letra da lei e jogar para torcida, promovendo o ataque à autonomia do Legislativo. Nas redes sociais, a boa-fé desinformada de grande parcela da opinião pública serviu de instrumento de pressão para que o Senado aceitasse a arbitrariedade fabricada no Ministério Público Federal, endossada por parcela considerável dos Ministros da Suprema Corte.

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Tivesse prevalecido o afã punitivo, o Senado se converteria em uma senzala do STF. Por tabela, abriria-se o precedente perigoso para afastamentos em massa de parlamentares nas três esferas administrativas. Não fosse o Senado a devolver o mandato de Aécio Neves, dando resposta consistente às arbitrariedades jurídicas dos ativistas togados, mergulharíamos em uma guerra entre os poderes. E não, nada disso melhoraria o nível de nossa probidade administrativa.

Na prática, estava se exigindo a cabeça de Aécio independente do que a Constituição determinava. Se o Brasil quer mesmo edificar um “Império da Lei”, precisa abandonar imediatamente o casuísmo oportunista. Não se pode exigir dos criminosos o cumprimento da lei se aqueles que a aplicam ignoram os dispositivos legais que consideram inadequados para o momento. Anuir com esse tipo de prática em nome de abstratos bons costumes republicanos é só retroalimentar o baguncismo.

Nota complementar: Este texto era a segunda parte de um artigo maior que escrevi sobre o caso do afastamento de Aécio Neves. Em virtude do tamanho que estava tomando, optei por desmembrá-lo. A primeira parte pode ser lida aqui. Em breve publicarei a parte três.

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