A taxa básica de juros da economia brasileira (SELIC), atualmente em 7,0% a.a., representa o custo da tomada de dívida por parte do governo. A SELIC também funciona como um balizador de várias operações de crédito: quanto menor o seu nível, mais barato é o custo do dinheiro tomado de empréstimo por qualquer pessoa ou empresa. Em situações como essa, o consumo das famílias e os investimentos produtivos tendem a responder positivamente. Logo, como a roda da economia gira mais rápido, a inflação aumenta. Se, por outro lado, o objetivo envolve o controle dos preços, o Comitê de Política Monetária (COPOM) determina a elevação dos juros.
Ao longo dos últimos anos, já experimentamos ciclos de juros baixos (entre 2009 e 2010 e entre 2011 e 2013) para os padrões brasileiros, mas que não duraram muito tempo, conforme o gráfico abaixo.
Taxa SELIC – % a.a.
Fonte: Banco Central do Brasil.
Em 2009, o COPOM reduziu rapidamente os juros por conta dos efeitos da crise financeira internacional que levaram à queda do PIB do Brasil naquele ano (-0,1%). Como, no entanto, a recuperação da economia foi muito veloz já em 2010 (crescimento de 7,5%), os juros precisaram subir para evitar que a inflação acelerasse. Já entre 2011 e 2013, a SELIC caiu para a mínima de 7,25% a.a.. Os motivos que serviram de justificativa para esse fenômeno dizem respeito ao arcabouço de medidas Nova Matriz Econômica. Em primeiro lugar, o governo utilizou a política monetária e creditícia para ampliar e baratear o crédito. Também concedeu uma série de desonerações fiscais, como a da folha de pagamentos e da cesta básica, além de reduzir o valor da energia elétrica e do IPI. Por fim, segurou com mãos de ferro os chamados preços monitorados, ou seja, de produtos para os quais o poder público exerce algum controle, como combustíveis, transportes e energia. Contudo, esse excesso de intervencionismo gerou uma combinação indigesta: inflação muito alta e a maior recessão do Brasil em mais de um século de estatísticas entre 2015 e 2016, conforme o gráfico abaixo.
PIB – Variação acumulada nos últimos 5 anos – %
Fonte: IBGE. Projeções para 2017, 2018 e 2019 do Relatório FOCUS, do Banco Central, do dia 17/11/17.
Em função dessa conjuntura desfavorável, os juros precisaram subir para reequilibrar a inflação, permanecendo em 14,25% até outubro de 2016. A partir da breve análise desses eventos, cabem os seguintes questionamentos: a economia brasileira é capaz de sustentar níveis baixos da SELIC por mais tempo do que nos períodos recentes sem suscitar desequilíbrios macroeconômicos? Quais são as expectativas para o futuro dessa variável tão importante?
Para tentar antever o que vai acontecer com os juros nos próximos anos, é necessário avaliar três quesitos fundamentais: (1) a inflação corrente, ou seja, aquela vista pelo “retrovisor”; (2) as expectativas futuras de inflação e (3) o grau de ociosidade da economia.
A inflação atual:
O IPCA encerrou os últimos 12 meses terminados em outubro em 2,7%. Vale lembrar que o Brasil trabalha com um sistema de Metas para a Inflação, que determina que o índice deve encerrar cada ano em 4,5%, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos. Ou seja, os preços estão bem-comportados.
As expectativas futuras de inflação:
Ademais, as expectativas de inflação para o futuro estão ancoradas em torno do centro da meta para os próximos anos (4,02% em 2018, 4,25% em 2019 e 4,0% em 2020).
Caso o cenário não fosse esse, e tomando como verdadeira a premissa de que o Banco Central estivesse comprometido em manter a estabilidade do poder de compra da moeda, os juros teriam de subir.
O grau de ociosidade da economia:
Ociosidade da indústria: no caso do nível de atividade, devemos observar algumas das medidas que medem a capacidade ociosa da economia. Os dados da Utilização da Capacidade Instalada – efetiva em relação à planejada – da CNI ainda mostram subutilização ainda considerável do parque produtivo nas indústrias brasileiras. O último levantamento, referente ao mês de outubro, aponta para 43,0 pontos, ou seja, bem abaixo da linha de 50, que denota a UCI de acordo com a projetada pelas firmas. A interpretação dessa estatística deve ser vista de duas maneiras. Por um lado, a notícia é boa para a retomada da economia, uma vez que o aquecimento da demanda pode ser suprido rapidamente pela oferta. Por outro lado, trata-se de algo ruim para os investimentos: não faz sentido para o empresariado elevar a capacidade produtiva enquanto houver muita ociosidade do maquinário.
Ociosidade da mão de obra: outro aspecto fundamental diz respeito ao uso de mão de obra, fator de produção fundamental em qualquer atividade econômica. A taxa de desemprego, mesmo que em leve trajetória de queda desde o segundo trimestre, segue em patamares muito altos de acordo com a PNAD Contínua do IBGE, fechando o período entre agosto e outubro em 12,2% da População Economicamente Ativa (PEA). Como há muitos trabalhadores disponíveis e a disputa entre as firmas por esses profissionais é pequena, a pressão sobre os salários e, consequentemente, sobre a inflação é reduzida.
Ociosidade do total da economia: aqui é possível analisar o hiato do produto, divulgado pelo IPEA. Os dados mostram que há espaço suficiente para o PIB cresça acima do potencial não só em 2018, como também em 2019 e 2020. Dito de outra forma, o indicador mostra que a demanda total ainda permanecerá inferior a oferta, ou seja, a capacidade máxima de produção de bens e serviços.
Nossa projeção:
Portanto, os elementos aqui considerados indicam que a economia brasileira deve conviver com juros baixos pelos próximos anos. Essa expectativa é corroborada pelo mercado financeiro, que projeta a taxa básica de juros para o fim de 2019, 2020 e 2021 em 8,0% a.a.. Ao contrário do período entre 2011 e 2013, a atual escolha de política monetária não deverá causar prejuízos do ponto de vista da estabilidade macroeconômica.
Contudo, mesmo com a SELIC no menor valor da história, o Brasil seguirá ocupando o quarto lugar no ranking dos países com as maiores taxas de juros do mundo, somente atrás da Argentina, da Rússia e da Turquia. Outro ponto importante nessa discussão nos remete à estrutura, ou seja, por que o Brasil convive com essa realidade há tanto tempo? Esse será justamente o tema do nosso próximo artigo.