Não é de hoje que o Brasil convive com uma triste realidade: a de operar com uma das maiores taxas de juros do planeta. Segundo o ranking elaborado pela Moneyou, ocupamos a quarta posição entre as 40 nações mais importantes do mercado de renda fixa mundial. Os dados abaixo mostram a taxa real de juros, que representa a diferença entre os juros e a inflação, para esse conjunto de países.
Taxa de juros real de países selecionados
(Em % ao ano)
Fonte: Moneyou.
O debate em torno desse tema gera, por muitas vezes, opiniões apaixonadas que falham miseravelmente na compreensão das causas e no apontamento de soluções concretas para resolver esse problema.
Como podemos interpretar a taxa de juros?
A taxa de juros pode ser vista como um prêmio de risco embutido nos empréstimos. Ou seja, quanto maior é a dúvida sobre a capacidade de pagamento dos tomadores de empréstimos, maiores tendem a ser os juros para compensar a possibilidade de inadimplência, e vice-versa. É por isso que os bancos usam de métodos sofisticados para construir análises de risco de crédito: variáveis como a renda, o histórico de pagamentos e as condições gerais da economia são levadas em consideração para determinar o prazo e o custo da operação.
Também é possível entendê-la como o custo do dinheiro no tempo atrelado à medida de “impaciência” da sociedade. Alguns analistas mencionam a importância dos aspectos culturais para explicar diferenças de juros entre os países. No caso do Japão, por exemplo, as pessoas são extremamente previdentes. Além disso, dada a elevada expectativa de vida daquele país, os agentes tendem a alocar uma parcela significativa de sua renda para a poupança.
E no caso do Brasil? Quais são as razões dessa anomalia?
A cultura do brasileiro
Nosso imediatismo faz com que o brasileiro gaste mais hoje, mediante o aumento de suas dívidas, em detrimento da possibilidade de maior consumo no futuro via poupança. Como resultado, a demanda por empréstimos é muito alta. Pela lei da oferta e da demanda, mantido tudo o mais constante, o preço – nesse caso, a taxa de juros – acaba subindo. Resta evidente que a conta precisa ser paga em algum momento, de modo que o fardo fica relegado às futuras gerações.
Concentração bancária
A alta concentração bancária também é outro elemento que mantém o juro elevado: toda a vez que existe algum tipo de restrição à concorrência, os preços são mais altos e a ineficiência é maior. Ao transportarmos essa mesma lógica para o sistema financeiro, o número diminuto de instituições financeiras existentes no Brasil ajuda a manter os juros altos.
“Meia-entrada” via BNDES
O governo proporcionou ao longo de muito tempo uma “meia-entrada” ao setor empresarial, que gozava da possibilidade de contratar empréstimos com juros mais baixos do que os de mercado através do BNDES. A justificativa da existência dessas linhas envolvia o aumento do investimento produtivo. Todavia, não houve a materialização dessa expectativa, especialmente por conta da ausência de contrapartidas em termos de elevação da capacidade produtiva das firmas.
Os juros subsidiados pelo BNDES apresentavam uma dinâmica diferente daquela estabelecida pelo COPOM, ou seja, havia uma parcela substancial do crédito no Brasil que não respondia aos movimentos da política monetária. Recentemente, o Congresso Nacional aprovou o fim dessa “meia-entrada”, através da criação da Taxa de Longo Prazo (TLP), que passará a vigorar a partir de 2018. De maneira simples, essa taxa embute o custo dos juros de mercado nos empréstimos do BNDES.
Questão fiscal
No entanto, talvez o fator mais importante para explicar os juros altos seja o desequilíbrio provocado pela fragilidade dos fundamentos fiscais. A meta do governo para a diferença entre a arrecadação e os gastos totais, excluindo o pagamento da dívida – o chamado déficit primário – é de R$ 159 bilhões em 2017. Esse rombo aumentou muito nos últimos três anos, e está atualmente em R$ 190,7 bilhões, conforme o gráfico abaixo.
Déficit primário do Setor Público – Acumulado nos últimos 12 meses
(Em R$ bilhões deflacionados pelo IPCA até novembro de 2017)
Fonte: Banco Central do Brasil e IBGE.
Estimativas dão conta de que a poupança necessária para impedir que o nosso endividamento siga crescendo é de R$ 150,2 bilhões. Ou seja, necessitamos proceder um ajustamento de R$ 309,2 bilhões para tornar as finanças públicas saudáveis.
Mas, afinal de contas, por que o orçamento da União é tão desequilibrado?
A melhora do resultado do governo pode vir de duas formas: aumento de impostos e/ou contenção das despesas. O primeiro nunca constituiu problema porque, entre 2003 e 2014, houve aumento consistente da arrecadação acima da inflação. Entretanto, muito dessa alta se deveu a fatores temporários, propiciados pela conjuntura favorável. Esses recursos excedentes foram alocados em gastos permanentes, que tornaram a situação fiscal muito complicada assim que a recessão bateu à nossa porta.
Os dispêndios do governo podem ser divididos entre obrigatórios, ou seja, para as quais existe algum tipo de determinação legal ou constitucional que implica sua efetivação, e discricionários, onde existe alguma margem de manobra para corte. Esses representam cerca de 10% do orçamento, e, desde o início de 2015, já foram reduzidos ao nível de 2010, o que cobrará seu preço no futuro pela diminuição os investimentos em infraestrutura. Por outro lado, os gastos obrigatórios mantêm trajetória ininterrupta de crescimento, ocupando cada vez mais espaço em relação ao total. Segundo o Ministério do Planejamento, só a Previdência Social responde por 57% do total de R$ 1,3 trilhão de gastos, percentual que aumenta ano após ano por conta da permissividade das regras de acesso aos benefícios.
Estimativas dão conta de que, sob o guarda-chuva da atual legislação, os benefícios previdenciários aumentam os gastos em R$ 50 bilhões por ano. É como se precisássemos criar uma CPMF e meia por ano para manter o orçamento equilibrado. Visto de outra forma, essa rubrica cresce ao ano o equivalente a 45% do orçamento total com saúde e 80% do orçamento com educação. A insuficiência pelo lado da arrecadação, principalmente no que diz respeito às aposentadorias rurais, dos servidores públicos e militares, faz com que a Previdência seja a maior causa do déficit fiscal do governo.
E o que devemos fazer?
A taxa de juros se mantém muito alta em função de escolhas do conjunto de escolhas feitas pela sociedade ao longo dos últimos anos. Como o Estado brasileiro é muito grande para a quantidade de impostos recolhidos, somos obrigados a demandar volumosas quantidades de empréstimos a um custo exageradamente alto. Eventuais aumentos da arrecadação, quando adotados, resolvem apenas temporariamente o problema fiscal e contribuem para deprimir ainda mais a atividade econômica.
Devemos, portanto, buscar a reformulação do Setor Público, através de reformas que interrompam a trajetória de crescimento dos gastos. A imposição de regras mais realistas para a Previdência Social, a redução dos subsídios que pouco ou nada contribuem para o aumento da produção, o fim da estabilidade do funcionalismo público e da gratuidade do ensino superior, bem como o estabelecimento de ganhos de remuneração dos servidores com base em metas de produtividade e de resultados são algumas das medidas necessárias para reduzirmos mais os juros.