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Celebrando um herói de verdade

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Uma cartola preta jamais terá o apelo popular que uma capa vermelha. Da mesma maneira, a oratória, ainda que brilhante, nunca será tão comercial quanto raios de energia emitidos a partir dos olhos. Os quadrinhos, e agora o cinema, sempre foram expressivos em fantasiar figuras imponentes, algumas delas de caráter até mitológico, como heróis. E a humanidade, que precisa do devaneio artístico para exercitar o escapismo, continuamente respondeu a esses personagens fabricados com entusiasmo e admiração. Sonhamos em ser extraordinários e acreditamos que habilidades especiais podem nos conferir essa condição. É por isso que o Superman, o Batman e o Homem Aranha são celebrados, ainda que jamais tenham existido.

Um filme como “O Destino de uma Nação”, entretanto, traz à baila herói incapaz de voar ou de correr na velocidade da luz. Nem por isso, Winston Churchill, o homem retratado na obra, deixou de ajudar a salvar o mundo. E ele o fez com o brilho de sua sagacidade, de sua determinação, de seu senso de dever e dos atributos que, desenvolvidos e reunidos ao longo de sua formação pessoal, acabaram por mobilizar um império inteiro no objetivo de derrotar o barbarismo nazista que oprimia a Europa e já se lançava para o resto do mundo.

Gary Oldman, o ator responsável por interpretar o primeiro-ministro britânico, entrega um desempenho não menos que sublime. E não apenas nos maneirismos e na dicção, mas ao personificar todas as nuances de uma personalidade extraordinária.

Churchill, e quem conhece sua vida sabe, era afável, grosseiro, sentimental, debochado, esnobe e despojado. Sua miscelânea temperamental se refletia nos seus hábitos e ações: comia do bom e do melhor, fumava os melhores charutos, recitava discursos enquanto tomava banho, cometia indelicadezas com subalternos, era atencioso com subalternos, tinha posicionamentos inflexíveis, era confidente com a esposa. Tudo isso está retratado com extrema delicadeza na atuação de Oldman, que vai de um extremo ao outro sem jamais fazer a coisa soar artificial.

Kristin Scott Thomas e Gary Oldman interpretam respectivamente Clementine e Winston Churchill

O momento histórico em que se passa “O destino de uma nação” é particularmente dramático. O poderio militar de Hitler já havia tomado a Europa continental. A Inglaterra, ainda atordoada pela rapidez militar do inimigo, encontrava-se em um impasse sobre como lidar com a situação. O exército britânico havia sido cercado na costa francesa, sendo mínima a perspectiva de salvá-lo da destruição. Do outro lado do Atlântico, os Estados Unidos ainda não tinha despertado para o perigo iminente representado pelo nazismo. Com a França sobrepujada, a única coisa que separava Hitler da vitória completa era o canal da Mancha.

Desde muito antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial, era Churchill o lobo solitário a denunciar os perigos que se avizinhavam. Ainda traumatizado pelo conflito anterior, o mundo dava de ombros. O consenso ingênuo em torno da ideia pacifista isolava ainda mais quem quer que falasse em guerra e inimigos. E foi assim, sob beneplácito de quem deveria ser diligente, que a Alemanha caminhou para uma nova sanha expansionista, produzindo desumanidade por onde passou. Quando Churchill foi nomeado primeiro-ministro, o monstro já batia à porta.

O diretor Joe Wright sabe captar a atmosfera assustadora em que se insere sua história e contrapõe esse contexto ao personagem central. É por isso que, em mais de uma vez, Churchill é enquadrado em meio à completa escuridão, estando ele no único lugar onde ainda há luz. É significativa sua conversa com ao telefone com presidente americano Franklin Roosevelt. A fotografia e os ruídos da cena se unem para projetar a situação desesperadora. Além de tudo, uma aula de cinematografia.

Quando proferiu seu discurso mais famoso, aquele no qual prometia que os britânicos lutariam no ar, nas colinas e nos campos, Churchill fazia um chamamento à perseverança. Com isso, buscava o engajamento de cada cidadão no esforço de sobrevivência. Ancorado na retórica ferina, usou a verve como catalizadora para potencializar a moral de seu país. Com o sucesso da operação Dínamo, que uso barcos civis para resgatar os soldados isolados no continente, Churchill conseguiu a sobrevida necessária até a entrada dos EUA na guerra. O resto, como todos sabem, é história.

A liberdade do Ocidente deve muito à figura de Winston Churchill. Um filme como “O destino de uma nação” funciona como agradecimento e também como oportunidade de redescoberta e celebração de um herói de verdade.

Assista o trailer:

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