O noticiário reportou um tema importante no campo da economia. Ao longo das últimas semanas, abordou a possibilidade de flexibilização (ou até mesmo de revogação) da chamada Regra de Ouro das finanças públicas. Após a repercussão negativa, o governo aparentemente recuou. No entanto, os debates em torno do tema certamente voltarão à tona em função de sua importância.
A Regra de Ouro foi instituída na Constituição Federal de 1988. De maneira simplificada, o governo só poderá recorrer às operações de crédito – necessárias para financiar despesas superiores às receitas – até o limite dado pelas despesas de capital. Na contabilidade pública, essa rubrica contempla os investimentos, as inversões (aplicações) financeiras e as amortizações da dívida.
Dito de outra forma, o governo não pode tomar empréstimos para financiar despesas correntes, como benefícios previdenciários e salários do funcionalismo público. Isso impede que as gerações futuras tenham de pagar o custo de financiamento de atividades que só beneficiam a geração presente.
Como evoluiu o cumprimento da Regra de Ouro?
Ao longo dos últimos anos, o governo conseguiu atender de maneira satisfatória ao dispositivo constitucional. No entanto, desde 2015, a chamada margem da Regra de Ouro tornou-se bastante estreita, conforme o gráfico abaixo. Essa variável representa a diferença entre as despesas de capital e o endividamento.
Análise da Regra de Ouro das finanças públicas do Brasil
(R$ bilhões nominais)
Fonte: Relatório Resumido de Execução Orçamentária do Governo.
A melhora do resultado em 2016 no comparativo com 2015 deve ser vista com cautela. Isso porque o BNDES devolveu ao Tesouro Nacional parte dos recursos tomados de empréstimo pelo banco de fomento. Ao todo, foram R$ 100 bilhões. Portanto, sem essa fonte não recorrente, uma vez que os recursos da carteira do BNDES são limitados, o governo já não conseguiria lograr êxito no cumprimento da regra.
Por que existe o risco concreto de descumprimento da Regra de Ouro?
A piora da margem da Regra de Ouro se deveu primordialmente aos déficits recorrentes do Setor Público dos últimos anos. Pelo lado das receitas, houve queda significativa da arrecadação de impostos em termos reais (já descontada a inflação) por conta da maior recessão em mais de um século da economia brasileira. Na comparação dos últimos 12 meses (até novembro de 2017) com o mesmo período de 2013, o recuo foi de 11,3%. Já as despesas totais da União continuaram subindo (+7,9% nessa mesma base), fruto da elevação das despesas obrigatórias com a Previdência Social (+19,7%). Diante desse duplo efeito, o resultado primário do Setor Público piorou consideravelmente, passando de um superávit de R$ 120 bilhões em 2013 para um déficit de R$ 152 bilhões em 2017, conforme o gráfico abaixo.
Resultado primário do Setor Público (União, Estados e municípios)
(Em R$ bilhões deflacionados pelo IPCA até dez/17)
Fonte: Banco Central do Brasil.
Outro problema está relacionado à queda dos investimentos. Trata-se de uma das escassas variáveis disponíveis para o ajuste da despesa por parte do Executivo. Ao contrário das despesas que apresentam alguma determinação legal ou constitucional, pode ser manobrada sem a necessidade de mudanças por parte do Legislativo. Ainda que sirva para cumprir metas fiscais pontuais, o corte nos investimentos é prejudicial para a saúde econômica do Brasil, dado que esse é um elemento-chave para a sustentação de taxas de crescimento satisfatórias.
A situação no que tange ao cumprimento da Regra de Ouro a partir de 2019 é preocupante porque as perspectivas fiscais para o Brasil seguirão ruins. Mesmo com o avanço do PIB esperado pelo mercado (em torno de 3,0% ao ano) e do efeito benéfico sobre a arrecadação, o ajuste pelo lado da despesa deve ser insuficiente. Esse assunto já foi abordado em outra oportunidade, e pode ser conferido aqui.
Por que o governo cogita alterar a Regra de Ouro?
O descumprimento da Regra de Ouro pode enquadrar o chefe do Executivo em crime de responsabilidade. Em última análise, tem o potencial de acarretar no impeachment do Presidente da República.
Quais os efeitos econômicos da flexibilização/revogação da Regra de Ouro?
Caso esse cenário venha a se materializar, o governo emitiria um atestado de incapacidade em gerir os recursos públicos. É natural que o mercado ponha ainda mais em xeque a capacidade de honrar os compromissos financeiros assumidos. Isso poderia acontecer numa situação como essa. Como resultado, os emprestadores embutem um prêmio pelo risco de calote (dado pela taxa de juros) ainda maior.
Quanto maiores os juros da economia, menor é o crescimento da renda, dos investimentos e do emprego. A distribuição de renda tende a ser prejudicada. Isto acontece pois somente os mais ricos têm condição de gerar poupança e investir parte de suas riquezas.
O que deve ser feito?
A situação é um sinal por onde se manifesta o drama da questão fiscal do Brasil. A redução consistente do processo de endividamento público em um curto espaço de tempo é fundamental. Caso contrário, estaremos fadados ao enfraquecimento de uma importante instituição relacionada à gestão fiscal. É preciso que a reforma da Previdência saia do papel. A reavaliação de desonerações/subsídios, o fim dos privilégios ao funcionalismo e a reforma da máquina pública também. Essas são apenas algumas das medidas necessárias para se evitar o pior.