Desinformação no Julgamento de Lula
Logo após o julgamento de Lula pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região – TRF4, o jornal New York Times abriu espaço para um artigo do intelectual mexicano HERNÁN GOMES BRUERA. Afirmou que, ao contrário de parecer um avanço brasileiro o julgamento de um ex-presidente, a confirmação da condenação de Lula foi uma estratégia para sepultar a sua candidatura, pois seria imbatível nas eleições. Também seria um ataque à esquerda brasileira para promover uma agenda conservadora. BRUERA escreveu que os Procuradores e Juízes atuaram de forma parcial, sem apego à legalidade e violando as garantias do acusado, constituindo uma ameaça à democracia e um acontecimento que – em pleno ano eleitoral – será motivo de incerteza e embates entre os brasileiros. Disse que se tratou de um Juízo de Exceção, criado só para condenar Lula e destruir sua imagem, próprio de regimes autoritários. É claro, repetiu o mantra de que não havia provas para condená-lo, sem levar em conta as 10 horas de análise e demonstração de sua existência pela 8ª Turma do TRF4. Ele mostrou indignação porque o julgamento não considerou uma carta enviada ao Juiz Sérgio Moro por intelectuais, ativistas e políticos latino-americanos pedindo para absolver Lula, já adiantando que os demais processos contra ele seriam “igualmente infundados e politicamente motivados”. De passagem, o autor ainda disse que o impeachment de Dilma foi de duvidosa legalidade. Mostrando intimidade partidária, afirmou que o PT vai registrar a candidatura de Lula e, se não puder concorrer, vai apoiar Fernando Haddad ou Ciro Gomes. O articulista referiu que a corrupção sistêmica na política brasileira envolvia todos os partidos, mas que, mesmo sendo louvável e necessário o seu combate, a esquerda foi mais perseguida, em especial Lula. Disse por fim que o ex-presidente continuará influenciando a política brasileira por muitos anos, mesmo que “as elites da direita” se empenhem em sepultá-lo, e apesar do “incalculável custo político e institucional” que isso teria para democracia brasileira.
Apesar da linha evidentemente comprometida do autor, o artigo foi divulgado pela esquerda brasileira como sendo opinião do New York Times, tanto pelo site de Lula, como pelo Jornal GGN, pelo Jornal Forum e, como não podia deixar de ser, pela Carta Capital e pela indefectível Mídia Ninja, site sustentado pelo Governo do PT e também pelo mega capitalista George Soros, conhecido financiador dos temas da esquerda mundial.
Logo em seguida, fazendo coro ao NYT, o jornal francês Le Monde publicou o Editorial: “No Brasil, uma democracia em declínio”, onde após referir que a Justiça reteve o passaporte de Lula, disse que “não seria absurdo imaginar” que ele tenha sucumbido à tradição do patrocínio do sistema político brasileiro, como já fora aventado no mensalão, apesar das “esquisitices” dos processos judiciais contra ele. Qualificou o impeachment de Dilma de controverso e disse que a Lava-Jato ofereceu o “espetáculo angustiante de um mundo político em idade de decadência”. Para tentar reduzir a importância da condenação de Lula, o jornal menciona que o atual Presidente, Michel Temer, também é acusado de crimes, tendo conseguido barrar os processos através de acordos “sem-vergonha” com políticos corruptos. Conclui o editorial do Le Monde que não há “nada de novo e que a Lava Jato apenas lança luz sobre práticas muito antes de Lula chegar ao poder”.
O que se observa é que os dois textos coreografados utilizam a estratégia da desinformação, técnica desenvolvida pela antiga União Soviética, que tinha por finalidade plantar mentiras na imprensa do Ocidente sobre a realidade do comunismo e destruir a imagem dos Estados Unidos e das pessoas que queria atacar. Isso foi denunciado e descrito minuciosamente pelo ex-General da KGB Ion Mihai Pacepa, que desertou para os Estados Unidos e escreveu o livro “DESINFORMAÇÃO”, no qual revela as estratégias secretas para “solapar a liberdade, atacar a religião e promover o terrorismo”. Na obra, ele demonstra, por exemplo, como o Kremlin destruiu a imagem do Papa Pio XII, que se opunha ao comunismo, utilizando-se para tanto da peça “O Vigário”, encenada na Brodway, e do livro denominando O Papa de Hitler.
Vamos então à desmontagem da desinformação do New York Times e do Le Monde.
Primeiro, é importante que se entenda quem é HERNÁN GOMES BRUERA, autor do texto publicado no NYT. Ele é acadêmico e ativista de Direitos Humanos mexicano e foi Diretor de Relações de Imprensa para o Ministério dos Negócios Estrangeiros da Argentina durante o Governo de Cristina Kirchner, também ocupando vários cargos na ONU, UNESCO e FAO. Pertenceu, assim, ao grupo do famigerado Foro de São Paulo, conferência de partidos políticos e organizações de esquerda, criada em 1990 a partir de um seminário internacional promovido pelo Partido dos Trabalhadores, para o estabelecimento do socialismo na América Latina. Além disso, foi membro de partido de esquerda mexicano e seu livro mais famoso é “Lula, o Partidos dos Trabalhadores e o Dilema da Governabilidade no Brasil” (“Lula, el Partido de los Trabajadores y el dilema de la gobernabilidad en Brasi”l. México: Fondo de Cultura Económica, 2015, 414 pp.). Defensor de Hugo Chaves, equiparou Nicolás Maduro e os opositores na Venezuela em entrevista para a rede TELEVISA. Seu artigo, portanto, não tem imparcialidade e só por aí já não mereceria o destaque que recebeu.
Depois, deve-se salientar que em determinado momento histórico o New York Times deixou de ser um jornal que denunciava os horrores do regime soviético pós-guerra e passou a ajudar na propaganda socialista nos Estados Unidos. Começou publicando um discurso de Khrushchev em 1956. Este condenaria Stálin e abriria a União Soviética para um comunismo com um rosto humano. O Times foi um dos meios que os soviéticos utilizaram para divulgar a peça O Vigário, que acusava o papa Pio XII de ser nazista, como na crítica de Frank Rich de 1964, em que esse comemorava o Prêmio Tony para a peça e exaltava a coragem de seus produtores. O sistema de desinformação soviética chegou a estabelecer financiamento a jornalistas de esquerda do Times, como denunciado por outro ex-General da KGB, Oleg Kalugin, que passou anos espionando nos EUA sob disfarce de jornalista.
Mais recentemente, um artigo do colunista Marc A. Thiessen, no The Washington Post, comenta que, enquanto a Administração Trump denominou o 100º aniversário da Revolução Bolchevique como o Dia Nacional pelas Vítimas do Comunismo, o New York Times comemorou o mesmo aniversário com a série de artigos “Século Vermelho”, exaltando as virtudes do comunismo. Marc. Thiessen descreve que em um deles a professora Kristen R. Ghodsee, da Universidade da Pensilvânia, sustentou que os comunistas tinham melhores relações sexuais. Em “Como as mulheres passaram na Revolução Comunista Chinesa”, Hele Gao recorda sua avó “conversando com alegres camponeses das novas fazendas coletiva” e escreve que “apesar de todas as suas falhas, a revolução Comunista levou as mulheres chinesas a sonhar alto”. Só não falou que a revolução de Mao matou 10 milhões de chineses – sem contar os milhões mortos pela brutal política chinesa do Filho Único, que levou a um infanticídio feminino generalizado. No texto “Eco-guerreiros de Lênin”, o professor de Yale Fred Strebeigh escreveu que Lênin foi “um antigo entusiasta de caminhada e acampamento” que tornou a Rússia um país pioneiro a nível mundial em conservação. De igual forma não falou que ele foi um assassino em massa que executou muito mais opositores políticos nos primeiros quatros meses do seu governo do que os Czares no século anterior inteiro. O professor de Berkeley Yuri Slezkine afirmou em “Como ser Pai como um Bolchevique” que “em casa, as crianças dos bolcheviques leem o que eles chamam de ‘tesouros da literatura mundial’, com uma ênfase nas analogias da Idade de Ouro para eles mesmo” e que “espera que os leitores soviéticos aprendam com Dante, Shakespeare e Cervantes”, mas não espera que aprendessem com George Orwell. Em outro artigo, Love Lives Bolsheviks, ele nota que, para os comunistas russos, “a revolução é inseparável do amor”. Exceto, é claro, quando a KGB aparecia no meio da noite para separá-los do seu amor, transportando-os para o gulag. Outros artigos publicados na série pelo Times foram “Quando o comunismo inspirou os americanos”, escritos por Vivian Gornich; “Exibição de livros soviéticos”, no qual Palash Krishna Mehrota disse que essas obras fizeram sua cidade indiana “tornar-se viva”; e o escrito por John T. Sidel, que se lamentou em a “promessa perdida do comunismo muçulmano”.
O artigo de Mark Thiessen do Washington Post não deixa esquecer que a série do Times estava dentro da tradição estabelecida pelo antigo chefe de gabinete do jornal em Moscou, Walter Duranty, que escreveu reportagens entusiasmadas sobre o governo de Stálin, inclusive repetidas negações sobre a fome em massa realizada pelo ditador soviético na Ucrânia. Na série comemorativa de artigos, diz Mark, o Times passou ao largo dos 100 milhões de mortos pelo comunismo, aproximadamente quatro vezes o número de mortos pelos nazistas – o que faz o comunismo a ideologia mais assassina na história humana, escondendo vergonhosamente os crimes do comunismo contra a memória e a humanidade.
Sobre o editorial do Le Monde acerca do julgamento de Lula, antes de entrar em seu mérito, não é demais lembrar que esse jornal nasceu para ser uma voz oficial da França e foi sendo dominado aos poucos pelos grupos internos, que o dividiu em facções ideológicas, as quais travaram uma verdadeira guerra civil no seio da redação, fazendo alianças para ocupar a direção ou para derrubar o diretor. O Le Monde chega mesmo a ter um braço militante de mídia de esquerda, que é o Le Monde Diplomatique, depois ainda comprando o semanário de esquerda Le Nouvel Observateur. Não é demais lembrar que o Foro Social Mundial (FSM) foi criado no ano de 2000 por dois ativistas políticos ligados ao PT (Oded Grajew e Francisco Witaker), pela CUT e pelo MST com o apoio do presidente do Le Monde, como contraponto ao Foro Econômico Mundial de Davos. Desde a década de 1970, o Le Monde deixou de lado a preocupação com a isenção e permitiu que alguns jornalistas vestissem suas reportagens com um roupão ideológico, passando a adotar uma posição terceiro-mundista e de firme oposição aos Estados Unidos. Chegou a apoiar a censura estabelecida pelo Partido Comunista, em Portugal, na Revolução dos Cravos, justificando que o país não estava preparado para uma liberdade não vigiada. O Le Monde era ainda simpático à China de Mao Tsé-tung, aplaudiu o Khmer Vermelho, mancheteando que “a cidade foi libertada”, quando os guerrilheiros ocuparam Phnom Penh, desconsiderando a morte de 1,7 milhão de cambojanos pelo ditador Pol Pot.
A técnica da desinformação consiste em pegar um “cerne de verdade” e distorcer seu sentido, buscando convencer a todos daquela mentira a partir disso. Foi o que fizeram o Times e o Le Monde no caso do julgamento de Lula. O primeiro, ao dar espaço a um militante e membro da inteligência da esquerda latino-americana como se fosse um cientista político isento. O autor do artigo do NYT apenas repetiu as mentiras petistas de defesa de Lula e, ao mesmo tempo, atribuiu a sua condenação a uma genérica e não comprovada conspiração das elites. O jornal francês, ao dizer que Lula seguiu os mesmos procedimentos corruptos dos demais políticos, usou a corrupção como o cerne de verdade e tentou diminuir a importância da condenação de um ex-Presidente do país e, ao mesmo tempo, evitou tratar do tamanho da corrupção implantada pelo Partido dos Trabalhadores, inigualável não só por qualquer político brasileiro anterior, como sem igual em qualquer parte do mundo. Pior, nem sequer referiu que, através do BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL – BNDES, Lula usou bilhões de dólares saqueados dos brasileiros para financiar os regimes socialistas na América-Latina e na África, o que só a União Soviética tinha feito antes, mas não nesse volume.
Ao contrário da conclusão do NYT e do Le Monde, a democracia brasileira se fortaleceu muito com o julgamento e condenação de Lula, afirmando que ninguém está acima da lei, colocando todos os políticos sob pressão, obrigando-os a pensar muito antes de praticarem outros crimes contra a Administração Pública. Em verdade, o custo político e institucional para o futuro da democracia brasileira seria incalculável se Lula não tivesse sido julgado pelos crimes que cometeu.
O Partido dos Trabalhadores é um partido marxista que prega a luta de classe e mesmo a imposição da revolução socialista pela força. Usando a conclusão de Mark Thiessen ao dar razão ao escritor checo Milan Kundera, a luta contra o comunismo é “uma batalha da memória contra o esquecimento”, pois a desinformação da imprensa de esquerda ainda quer apagar a memória da humanidade e relativizar os crimes praticados por Lula assim como fez com aqueles cometidos pelos regimes comunistas.
Notas
** O artigo do NYT está disponível em https://www.nytimes.com/es/2018/01/26/opinion-estrategia-lula-condena-brasil/.
***O editorial do Le Monde está disponível em http://mobile.lemonde.fr/idees/article/2018/01/27/deliquescence-de-la-democratie-bresilienne_5248067_3232.html?xtref
****O artigo de Marc A. Thiessen, “The New York Times keeps whitewashing communism’s crimes”, foi publicado no The Washington Post de 10 de Novembro de 2017 e está disponível em https://www.washingtonpost.com/opinions/the-new-york-times-keeps-whitewashing-communisms-crimes/2017/11/10/129f28e0-c5c3-11e7-84bc-5e285c7f4512_story.html?utm_term=.cf5728b86530f
*****O Livro DESINFORMAÇÃO foi publicado pela VIDE Editorial em 2015.