A inflação voltou a ser tema recorrente dos debates cotidianos ao longo dos últimos anos. Até 2016, o foco estava na perda do poder de compra da moeda. A partir de 2017, no entanto, as suspeitas com relação à maquiagem dos dados da inflação no Brasil se intensificaram.
Esses relatos ganharam força após fortes reajustes em alguns itens, como o gás de cozinha, a gasolina e a energia elétrica. À medida que os resultados dos índices apontavam em uma direção, a percepção geral à alta de preços indicava outra. A falta de conhecimento sobre alguns conceitos contribuiu para potencializar essa aparente dicotomia.
Antes de mais nada, precisamos entender o conceito de inflação. Trata-se de um “aumento contínuo e generalizado dos preços da economia”. Dessa forma, avanços pontuais – que não se sustentam ao longo do tempo – não são caraterísticas do processo inflacionário. As variações anuais do IPCA, o índice oficial de inflação do Brasil, estão representadas no gráfico abaixo:
IPCA – Variação anual
(Em %)
Variação % da Inflação medida pelo IPCA
Fonte: IBGE.
Apesar da tendência de queda, não é correto afirmar que os preços caíram na passagem de 2015 para 2016. Isso também de 2016 para 2017. Nos últimos três anos houve aumento da inflação. Dessa vez, no entanto, em ritmo menor. Se houvesse queda (deflação), os valores supracitados seriam negativos. Portanto, de uma maneira geral, o consumidor verificou uma elevação dos preços também em 2017 na média, e não um recuo.
Como é calculada a inflação?
Para esclarecer a discrepância existente entre os índices oficiais e a percepção sobre os preços de boa parte da população, é necessário compreender a metodologia de cálculo da inflação.
Em primeiro lugar, é razoável supor que entre as diversas mercadorias disponíveis para consumo. Algumas têm maior importância. Isso se dá, geralmente, com bens e serviços que visam atender às necessidades mais básicas, como é o caso de alimentos e de bebidas. Por outro lado, existem aqueles mais supérfluos, como lubrificação/lavagem de automóveis e depilação. Para determinar os pesos, o IBGE utiliza os dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) como um balizador. Essa pesquisa retrata como um cidadão médio do Brasil aloca sua renda entre as mais variadas alternativas.
A segunda informação necessária diz respeito à verificação dos preços entre um mês e outro. Assim, podemos calcular a variação percentual. De posse do peso e da variação dos preços, podemos obter a influência do item específico no índice de inflação, através de uma simples multiplicação. Ou seja:
Influência = peso X variação dos preços
Por fim, repetimos esse mesmo exercício para cada uma das 373 mercadorias averiguadas pelo IBGE.
Exemplo:
São quatro tipos de feijão que entram no cálculo do IPCA. São eles: mulatinho, preto, macassar (fradinho) e carioca. Em todos os casos, houve queda significativa dos preços em 2017: -44,6%, -36,1%, -32,4% e -46,1%, respectivamente. Considerando a soma dos pesos médios (cerca de 0,2% da renda do brasileiro é alocada com feijão), a influência sobre o IPCA dessa mercadoria foi de -0,21 pontos percentuais.
No caso do botijão de gás, a alta foi de 16%, enquanto que o peso no índice foi, em média, de 1,2% em 2017. A influência, portanto, foi de 0,18 pontos percentuais. Logo, a queda do preço do feijão mais do que compensou a alta do botijão de gás.
Por que a inflação sentida pela população diverge dos índices oficiais?
Como as preferências são distintas, cada um dos 208 milhões de habitantes do Brasil percebe a inflação à sua maneira. Além da diferença relativa ao tipo de bem/serviço escolhido, a parcela da renda dedicada aos mesmos também costuma diferir.
Só haveria igualdade entre os valores em um caso muito específico: se duas ou mais pessoas consumissem exatamente os mesmos bens, alocando proporcionalmente as mesmas frações de suas rendas. Trata-se de uma situação pouco recorrente.
No nosso exemplo, muitas pessoas não consomem feijão. Por isso, perceberam uma alta mais forte dos preços em comparação com o índice oficial. Já no caso da gasolina, aqueles que dependem dos veículos para se deslocar certamente sentiram mais o aumento de preços em comparação com os que usam bicicleta ou se deslocam a pé até seu trabalho. Da mesma forma, as indústrias mais intensivas no uso de energia elétrica, como as que necessitam manter os alimentos refrigerados, também sofreram com custos superiores em relação às firmas que não fazem tanto uso desse insumo.
Os índices de inflação do IBGE estão sendo manipulados?
Várias pessoas têm afirmado que os índices de inflação não refletem o aumento do custo de vida. Culpam o governo pela maquiagem dos dados sobre a inflação, apresentando resultados mais baixos do que os “reais”.
Felizmente, outros órgãos – não ligados ao governo – também calculam a inflação, gerando evidências que nos ajudam a elucidar essa questão. É importante notar que alguns dos produtos investigados divergem, dependendo do índice considerado. Além disso, mesmo que as mercadorias sejam as mesmas, seus pesos na composição do indicador podem ser diferentes. Ainda assim, o comparativo é válido: o objetivo é medir a evolução geral dos preços da economia. Se considerarmos o IGP e o IGP-M, calculados pela FGV, houve deflação em 2017, segundo as estatísticas destacados no gráfico abaixo. Por sua vez, o IPC da Fipe teve aumento, porém em ritmo menor do que o IPCA.
IGP, IGP-M e FIPE
(Variação percentual de 2017 em relação a 2016)
Variação % da Inflação em 2017: IGP-M, IGP-DI e IPC-Fipe
Fonte: FGV e FIPE.
A tese de que o governo estaria maquiando as informações não se sustenta. Não faria sentido, para fins políticos, modificar os resultados e colocá-los num patamar mais alto do que realmente são.
Conclusão
Em suma, verificamos que a tese de manipulação dos dados não faz sentido, uma vez que os índices privados registraram valores bem menores do que aqueles divulgados pelo IBGE.
Os preços, de uma maneira geral, continuaram crescendo em 2017. No entanto, de maneira bem menos intensa ante 2016 e 2015;
A imensa maioria das pessoas percebe a variação dos preços de uma maneira diferente uma em relação às outras. As cestas de consumo e a fatia da renda alocada em cada um dos produtos quase nunca são as mesmas;
Quem aloca mais renda em energia elétrica, gasolina e gás de cozinha naturalmente sofreu mais do que os pares que fazem uso menos intensivo dos mesmos.