Recentemente, a Assembleia Legislativa aprovou a adesão do RS ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) do governo federal. Ao recorrermos a esse expediente, nosso Estado deverá arcar com uma série de contrapartidas em troca de determinados benefícios. O presente artigo discute a crise das finanças públicas do RS e as implicações do RRF.
O que nos levou até aqui? Breve análise do quadro fiscal do RS
A situação calamitosa das contas do governo estadual gaúcho não foi construída da noite para o dia, mas é um produto de décadas de irresponsabilidade fiscal. Vários governos, de diferentes matizes ideológicas, concederam benefícios muito superiores aos comportados pelos orçamentos. O gráfico abaixo mostra o resultado fiscal do RS, ou seja, a diferença entre receitas e despesas totais. Ao longo dos últimos 47 anos, somente em 7 houve superávit das contas.
Observe também que o Estado vinha se ajustando desde 1999, após o renegociação da dívida com a União. (Confira mais no subíndice “Qual a origem da dívida do RS com a União?”). O acordo previa ajuste fiscal. Mas, os desequilíbrios foram acentuados com o governo de Tarso Genro (PT) entre 2011 e 2014. O ano de 2015, o primeiro do Sartori, é herança do Tarso, onde o déficit alcançou R$ 4,9 bilhões.
Resultado orçamentário do governo do Rio Grande do Sul – Em % do PIB
Fonte: Mensagem do Governador à Assembleia Legislativa (2015 e 2018).
Em 2017, o déficit alcançou R$ 1,668 bilhão. Como o dado do PIB do ano passado ainda não foi divulgado, não é possível fazer o cálculo pela métrica acima.
Entre as causas principais desse problema está o peso crescente dos gastos com inativos em comparação com os ativos. A diferença a favor do primeiro grupo vem se acentuando rapidamente ao longo dos últimos anos, conforme o gráfico abaixo.
Participação na despesa de pessoal do funcionalismo público do RS – em %
Fonte: Mensagem do Governador à Assembleia Legislativa (2018).
Chama a atenção também o rápido aprofundamento do déficit da Previdência estadual. São duas as razões principais. A primeira se dá por conta do perfil demográfico do RS, uma vez que peso dos idosos é maior em comparação com a média brasileira. A segunda diz respeito à permissividade das regras de acesso aos benefícios previdenciários, além do peso crescente dos inativos no funcionalismo. Como resultado, as despesas do sistema vêm superando – e muito – as receitas, de modo que o rombo totalizou R$ 10,56 bilhões em 2017, ou seja, 17,6% de tudo o que o governo arrecadou no ano passado.
Déficit da Previdência do RS – Em R$ milhões nominais
Fonte: Mensagem do Governador à Assembleia Legislativa (2017) e Relatório Resumido de Execução Orçamentária do RS (6º bimestre de 2017).
Diante de tamanhos desequilíbrios, as finanças públicas do RS estão em uma situação pior do que a de qualquer outro estado brasileiro. Vários indicadores fiscais são capazes de auferir essa situação. Nosso Estado, por exemplo, é o que mais gasta proporcionalmente com pessoal em comparação com a Recente Corrente Líquida (RCL). Além disso, temos a segunda maior dívida em comparação ao tamanho da arrecadação e a menor margem para investimentos e: de cada R$ 1,00 arrecadado, geramos R$ 2,129 em endividamento e menos de dois centavos destinam-se aos gastos que visam aumentar a capacidade de crescimento futuro do estado, respectivamente.
Ranking dos indicadores fiscais dos Estados – (1º indica pior situação entre todos) – 2016
Fonte: FIRJAN.
O que é o Regime de Recuperação Fiscal (RRF)?
O Regime de Recuperação Fiscal é um plano destinado aos estados com maiores dificuldades fiscais, como o RS. A adesão garante uma carência de três anos da dívida que o nosso estado carrega com o governo federal. Trata-se de uma economia de aproximadamente R$ 300 milhões por mês. Há, notavelmente, uma folga para o caixa do governo no curto prazo, abrindo espaço para o pagamento em dia do funcionalismo do Executivo – lembrando que os atrasos são frequentes desde meados de 2016.
No entanto, não há um “perdão” da dívida, sob a forma de um abatimento: precisaremos pagar por esse montante no futuro. Ou seja, a dívida que hoje está em R$ 57 bilhões, aumentará o passivo em R$ 10,5 bilhões (R$ 1 bilhão desse total fruto da correção dos juros e da atualização monetária).
Outro benefício diz respeito à possibilidade de retomar a contratação de empréstimos, até então vedados ao Rio Grande do Sul pela Lei de Responsabilidade Fiscal, por conta do grau de deterioração das finanças públicas estaduais.
Qual a origem da dívida do RS com a União?
Até 1997, os estados poderiam recorrer à emissão de dívida para se financiar. A falta de amarras legais fez com que o endividamento das UF’s crescesse rapidamente. Para evitar a bancarrota, a União assumiu todos os débitos, oferecendo à época condições muito mais vantajosas do que as de mercado: juros de 6% a.a. e 30 anos de prazo de pagamento. Para tanto, proibiu todo o tipo de financiamento de dívida através da emissão de títulos. Desde então, o RS realiza pagamentos mensais de 13% da sua receita arrecadada.
Quais são as contrapartidas oferecidas à União?
O governo gaúcho listou uma série de medidas que ajudarão no reequilíbrio econômico-financeiro do orçamento. Entre as principais estão a privatização de algumas estatais como a CEEE, Companhia Rio-grandense de Mineração (CRM) e Sulgás. Ao todo, as vendas gerariam uma receita estimada de R$ 2,2 bilhões até 2020.
O governo também se compromete a manter as alíquotas de ICMS nos atuais patamares, cujo incremento em vigor desde 2016 terminaria ao fim do presente ano. Ademais, ao longo da vigência do contrato, não haverá reajustes salariais (além da revisão assegurada pela Constituição Federal) nem a criação de cargos/empregos/funções. Por sua vez, a realização de concursos públicos visará apenas a reposição de vagas.
Por fim, foram vedadas as criações de quaisquer tipos de auxílios/benefícios/abonos/verbas e de quaisquer despesas obrigatórias.
Em suma, a situação financeira do RS é tão grave que não parece haver outra saída. Como vimos, a adesão ao Regime está longe de resolver nossos problemas, mas garante um alívio de curto prazo (até 2020) de R$ 11,3 bilhões, além da possibilidade de recorrer a novos empréstimos. Entretanto, é fundamental que esse contrato seja encarado como um incentivo aos governantes para aprimorar a gestão dos recursos públicos. Caso contrário, poderá contribuir para piorar ainda mais o problema, resultando no colapso total do sistema.
As medidas do lado da receita, como a manutenção das alíquotas do ICMS e a diminuição dos incentivos tributários deverão manter nossa competitividade baixa e, consequentemente, diminuir nosso crescimento econômico. O governo acertaria se focasse apenas no lado da despesa, pois não há como comportar novos aumentos de impostos. Ademais, a criação de métodos robustos de avaliação do custo-benefício das políticas públicas é urgente. Dessa forma, será possível averiguar constantemente a alocação de recursos para os respectivos fins e seus resultados.
Nota do autor: gostaria de agradecer ao Darcy Francisco Carvalho dos Santos pela revisão e pelas sugestões. Darcy é conselheiro do CORECON-RS e especialista em finanças públicas.