A renúncia fiscal do governo federal – também conhecida como gasto tributário – somou R$ 270,1 bilhões em 2015. Isso equivale a 22,7% da arrecadação de impostos daquele ano. Para fins de comparação, o Setor Público (União, estados e municípios) incorreu naquele ano em um déficit primário de R$ 111,2 bilhões.
A tabela com a discriminação das principais renúncias fiscais do governo federal pode ser vista abaixo. Os dados da Receita Federal consideram todo e qualquer tipo isenção, abatimento e diferimento do pagamento de impostos sob jurisdição da União.
Principais renúncias fiscais concedidas pelo governo federal – 2015 – Em R$ bilhões nominais
Fonte: Receita Federal.
A mais importante diz respeito ao Simples Nacional. Esse é um regime tributário diferenciado, que permite aos aderentes menos burocracia no atendimento das legislações tributária, previdenciária e trabalhista. Além da simplificação na declaração, que reduz os custos para as empresas, a carga tributária também é menor, induzindo à contratação de mão de obra formal.
Entretanto, existem prejuízos de longo prazo para o aumento do crescimento econômico e da produtividade por conta desse modelo. Isso porque não há incentivos para que as participantes ultrapassem o limite do enquadramento (hoje em R$ 4,8 milhões anuais de faturamento). O aumento da escala das firmas de menor porte, que tendem a ser mais inovadoras e eficientes, constitui engrenagem fundamental para o bom funcionamento das economias de mercado. Consequentemente, deve-se pensar em uma alternativa ampla de simplificação tributária que atinja todos os portes de maneira isonômica, favorecendo a expansão sustentada da atividade empresarial.
A desoneração da folha de pagamento foi instituída ainda no primeiro mandato da ex-presidente Dilma para alguns setores selecionados, e depois foi ampliada. Por conta da natureza da medida, os setores mais beneficiados são aqueles para os quais a mão de obra apresenta peso relevante para os custos de produção. Já para os que usam proporcionalmente mais capital, o ganho é menor. Como parte do início do ajuste fiscal, proposto à época por Joaquim Levy, em 2015, as alíquotas incidentes sobre o faturamento das empresas foram elevadas. Atualmente, a intenção do governo Temer é acabar com esse benefício.
Três escolhas por parte dos formulares de política econômica foram fundamentais para determinar o insucesso da desoneração da folha. Frequentemente esses mesmos erros foram cometidos em outras medidas de cunho semelhante, e ajudam a entender por que os incentivos oferecidos pelo governo não aceleraram substancialmente a atividade econômica entre 2011 e 2014.
Ausência de horizontalidade: somente alguns setores foram beneficiados pela desoneração da folha, enquanto outros ficaram de fora. Nesses casos, os efeitos de transbordamento para outros segmentos, provocados pelo aumento da demanda daqueles que foram favorecidos, tendem a ficar muito concentrados, com menor capacidade de reverberar sobre toda a economia;
Temporalidade: a desoneração da folha tinha prazo de validade breve, e muitas das decisões no âmbito empresarial envolvem horizontes longos. Logo, o barateamento dos custos apenas no curto prazo se torna, muitas vezes, inócuo para determinar eventuais expansões na capacidade produtiva;
Mudanças constantes nas “regras do jogo”: as revisões de políticas geram incerteza e minam a capacidade do setor privado em investir.
Trabalhos recentes mostraram que não houve quaisquer ganhos relacionados à contratação de trabalho. O trabalho dos pesquisadores Adolfo Sachsida, Alexandre Ywata e Felipe Garcia pode ser acessado aqui.
Outras duas renúncias fiscais relevantes estão ligadas ao Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF): a soma entre os rendimentos isentos e não tributáveis com as deduções alcançou R$ 39,2 bilhões. No primeiro caso, por exemplo, estão o resgate do FGTS, doações e heranças, bolsas de estudo e de pesquisa, seguro-desemprego e a restituição de imposto de renda. No segundo, estão incluídas as despesas com saúde, educação, pensão alimentícia, entre outras.
Em outro artigo, vimos que o Brasil é um dos países que menos tributa renda no mundo, o que torna o fardo da carga mais pesado para os mais pobres. Os rendimentos isentos e as deduções, que se aplicam aos mais ricos, também são parte da explicação desse fenômeno.
A Zona Franca foi instituída em 1957 com o objetivo de levar desenvolvimento ao Norte do país. Esse trabalho mostra que houve sucesso nesse objetivo ao elevar, de maneira significativa, o PIB e os serviços, porém às custas de uma má alocação de recursos: a produção agrícola caiu em detrimento dos demais setores.
A desoneração da cesta básica, também instituída no primeiro mandato da ex-presidente Dilma, fez com que a alíquota de PIS/COFINS caísse para as vendas no mercado interno e para as importações em diversos produtos agrícolas, da agroindústria e da cesta básica. O prazo de validade da medida é indeterminado, entretanto, da mesma forma como a desoneração da folha de pagamentos, o benefício não é horizontal.
Considerações gerais
Uma análise simplória dos fatos poderia levar à conclusão de que o simples encerramento das renúncias fiscais poderia reequilibrar as contas públicas. Contudo, algumas considerações são necessárias.
Em primeiro lugar, as desonerações concedidas ao setor privado atuam para aumentar o nível de atividade e, por sua vez, elevam a arrecadação do governo de maneira indireta. É por isso que a análise de políticas públicas é tão importante, justamente para determinar qual dos efeitos – se há ganho maior com a elevação de impostos em detrimento da perda de atividade ou se a renúncia fiscal é mais do que compensada pelo crescimento dos setores beneficiados – se sobressai.
Ademais, o encerramento das renúncias fiscais por parte do governo não constitui atividade simples, pois favorece grupos de interesse bem estabelecidos. Benefícios concentrados geralmente estão atrelados a grupos menores, nos quais existe grande capacidade de concentração de esforços e de lobby junto ao governo. Portanto, publicizar os critérios de concessão é fundamental para que a sociedade saiba como os recursos estão sendo aplicados, e assim, possa cobrar das autoridades responsáveis sua correta alocação.