Falta de clareza no mecanismo de distribuição de postagens pagas no Facebook e fact checking poderão minar o processo eleitoral de 2018.
A propaganda eleitoral no Brasil está para mudar. Provavelmente, a alteração de regra mais importante desde a proibição de comícios e brindes imposta na mini-reforma eleitoral de 2006. A internet, até então quase “paralela” no processo, entra no conjunto de ferramentas aptas a receber investimentos pesados em divulgação através do impulsionamento de posts nas redes sociais, especialmente no Facebook.
Os brindes eleitorais: reportagem do portal Terra mostrou a história de um colecionador de brindes ofertados por candidatos nas eleições brasileiras. Confira aqui.
A prática é conhecida de todos os profissionais de marketing que atuam no digital e também dos usuários, já que a maioria já visualizou algum tipo de postagem marcada como “patrocinada” no computador ou celular. Anúncios da pizzaria, da grande loja de departamentos ou daquele site que vende CDs antigos que você acabou de visitar, dando um lembrete sobre o produto visto e não comprado.
O uso da internet durante as eleições foi amadurecendo, pleito após pleito. De arena para debates acalorados entre eleitores de uma minoria com “internet e Orkut” em 2008 até o uso maciço de vídeos por pré-candidatos ou ativistas políticos em 2018, o sistema praticamente se “autorregulou”, com xingamentos ou acusações inverídicas indo pontualmente para a justiça. Leis que serviram para o mundo real foram largamente usadas dentro do digital, como a famosa proibição do anonimato nas manifestações.
Já o Facebook, entre a última eleição presidencial e a que está por vir, mudou muito. Ano após ano, ajustes na forma de distribuição das postagens nas páginas e perfis de usuários foram aplicando cortes e mais cortes no alcance. Se parte é compreensível – com o crescimento da rede, os usuários teriam milhares de posts correndo na tela – os critérios técnicos sempre foram envoltos em uma espécie de mística e segredo do algoritmo, levando profissionais do marketing à loucura e gerando as mais variadas teorias da conspiração de botequim. Para se ter uma ideia, uma postagem em página com 100 mil “curtidores” em 2014 chegava sem custo nos 300, 500 mil atingidos (pessoas que receberam o conteúdo em suas telas) em poucas horas. Hoje, sem pagar, este número fica dias na casa dos 3 ou 4 mil.
Distribuição de conteúdo pago no Facebook: aqui começa o problema
Com o fim do “almoço grátis” nas postagens de Facebook, houve uma corrida para o impulsionamento de posts, processo no qual a agência de marketing ou o próprio dono de um negócio com página na rede social pagam para aparecer. Mais dinheiro, mais alcance. E as ferramentas oferecidas pelo próprio Facebook para este tipo de prática são complexas e eficientes: você pode dar uma incrível quantia de dinheiro para Zuckerberg mostrar seu conteúdo para todos os usuários do Brasil ou programar e exibir anúncios para homens entre 40 e 50 anos, interessados no Globo Rural e que moram em Belém do Pará. Interesses, idade, localização, dispositivos usados, locais visitados e muitos outros fatores entram nesta equação para segmentar anúncios.
Mas nem tudo está nas mãos do dono do anúncio. Como quase tudo no Facebook, regras internas (não claramente divulgadas) e públicas interferem no rendimento do dinheiro aplicado e no conjunto de usuários que o algoritmo da rede seleciona como recebedores em potencial do anúncio, para então começar a entrega. Na distribuição, o sistema de auction do Facebook faz uma análise automática baseada em relevância do seu post face ao que as pessoas costumam gostar. Existe toda uma escala de valores subjetiva do Facebook que pode fazer um concorrente atingir mais pessoas com menos dinheiro em relação a outro no mesmo setor disputando o mesmo conjunto de usuários da rede.
A postagem patrocinada de posts eleitorais, neste contexto, coloca os concorrentes em um escrutínio onde as chances não são iguais e um terceiro (o próprio Facebook) determina o que é bom ou ruim, feio ou bonito (até mesmo na arte escolhida para o post) e o que as pessoas “geralmente gostam”. Todo este cenário fica uma camada acima do controle (mais uma vez com regras internas e públicas da rede) dos usuários e demais páginas dentro da rede, com banimentos inexplicados, agências de fact checking com bias de esquerda com o poder de definir verdade e mentira nos conteúdos publicados e um controle similar ao dos posts pagos, para o orgânico: aquelas postagens normais do dia a dia e que aparecem nas telas dos usuários sem qualquer influência financeira, mas tuteladas pelo facebook.
O uso do pixel e a vantagem dos candidatos ligados a grandes sites
Outro recurso de grande valia para as agências de marketing digital é o pixel, um “pedacinho de código invisível” colocado pelos programadores dentro dos sites. O pixel é gerado pelo Facebook e adiciona uma mágica aos anúncios, permitindo que a agência contratada pelo partido ou candidato que porventura seja também a responsável por um grande site na internet direcione anúncios para pessoas que acessaram este site (ou uma página específica do mesmo) recentemente.
Com o pixel, é possível patrocinar um vídeo com discurso focado nas pessoas que leram uma notícia sobre um tema específico, sob medida para o assunto. Esta prática em escala estadual ou nacional pode mudar o rumo de uma eleição quando o candidato A, munido de recursos e da agência certa, pode usar o Facebook para colocar o seu ponto de vista de forma cirúrgica, contra o candidato B que, mesmo com o mesmo dinheiro mas sem este banco de dados dinâmico, precisa concorrer na rede de formas mais genéricas. Ironicamente, a compra de banco de dados é proibida na Lei eleitoral e o pixel é praticamente isto: o uso de um banco de dados de terceiros.
Vale lembrar que o uso desta tecnologia dentro do site do próprio candidato e combinado com o material da página do Facebook, com dados obtidos unicamente por acessos motivados pela campanha eleitoral, é perfeitamente normal. O conflito ético (e até mesmo legal) está na possibilidade da instalação do código em um site não eleitoral, de jornal, canal de TV ou qualquer portal com grande influência no Brasil.
Quase uma Cambridge Analytica
Diferente do notório esquema da empresa Cambridge Analytica, onde um aplicativo foi desenvolvido com ferramentas do próprio Facebook e permitiu a interação de milhões de pessoas que alimentaram o banco de dados da empresa com a foto de perfil, páginas curtidas, aniversário e a cidade onde moravam, os apontamentos sobre a distribuição de anúncios e o uso do pixel alertam para as possibilidades das tecnologias mais básicas do Facebook, disponíveis para empresas (agora também políticos) que podem macular o processo eleitoral e ferir a democracia no país, dando vantagem para quem possui os contatos certos ou tem mais afinidade com as definições de certo ou errado criadas por Mark Zuckerberg e o ethos do Vale do Silício, sob as bênçãos do Tribunal Superior Eleitoral do Brasil.