“Previsão do PIB de 0,8% em 2018, bem abaixo do mercado.”
As estimativas para o PIB do Brasil por parte dos analistas de mercado vêm sendo sistematicamente revisadas para baixo nas últimas semanas. Entre as razões que fundamentaram esses cortes estão: (1) a mudança do cenário internacional, diante da alta de juros nos Estados Unidos; e, principalmente, (2) o efeito da greve dos caminhoneiros sobre a atividade econômica. O consenso atual das previsões para o PIB de 2018 está em +1,55%, enquanto no dia 18 de maio, o número era de +2,5%.
Expectativas de mercado* para o crescimento do PIB do Brasil em 2018 – Variação % em relação a 2017
Fonte: Relatório FOCUS (Banco Central). *Mediana das previsões.
Portanto, a consolidação do cenário descrito por Rogério Xavier ganha cada vez mais força. Para termos uma referência com relação ao provável crescimento do PIB desse ano, recorremos ao chamado “efeito carregamento”: se a atividade econômica no segundo, terceiro e quarto trimestres permanecer estática em relação ao primeiro, qual o resultado em relação a 2017? Esse exercício, de acordo com os dados do IBGE, aponta para uma alta de 0,9%.
O resultado do PIB do segundo trimestre, a ser divulgado em 31 de agosto, será impactado negativamente pela greve dos caminhoneiros. Por sua vez, o segundo semestre deverá ser marcado por expansão moderada da economia, em linha com o cenário de juros baixos, inflação controlada e maior disponibilidade de crédito. Por conta do “efeito carregamento” favorável, é provável que cresçamos acima dos 0,8% apontados por Xavier, mas não muito além disso. De qualquer forma, a taxa será pífia, ainda mais no atual contexto vivido pelo Brasil, diante da necessidade de devolvermos as perdas decorrentes da maior crise em mais de um século de estatísticas disponíveis.
2. “Hiato do produto ainda é elevado e inflação não deve ser muito pressionada, mas melhor momento ficou para trás. IPCA no final do ano deve ser de 3,7%.”
Tecnicamente, o hiato do produto mede a diferença entre o PIB e o seu potencial, ou seja, quanto é possível crescer sem gerar pressões inflacionárias. Dito de outra forma, é uma medida do grau de utilização dos recursos disponíveis à produção de bens e serviços. De fato, o Brasil opera hoje com grande nível de ociosidade, tanto em termos de maquinário usado pelas empresas quanto do mercado de trabalho. Com relação ao primeiro, o indicador de capacidade instalada efetiva em relação à usual da indústria brasileira ainda permanece abaixo da linha de 50 pontos, denotando subutilização do maquinário.
Indicador de utilização da capacidade instalada da indústria do Brasil – Efetiva em relação à usual – em pontos
Fonte: Confederação Nacional da Indústria (CNI). Valores menores do que 50 pontos indicam utilização da capacidade instalada efetiva abaixo da usual, ou seja, existência de ociosidade.
No que diz respeito ao segundo, a taxa de desemprego segue em patamares bastante elevados. Como há muitos trabalhadores disponíveis, existe pouca disputa entre as firmas pela mão de obra disponível, o que tende a pressionar pouco os salários e, consequentemente, a inflação.
Taxa de desemprego (%) – Brasil
Fonte: IBGE.
A revisão para baixo das expectativas para o crescimento do PIB contribui para a manutenção da elevada ociosidade da economia. Por um lado, a inflação permanece comportada, o que ajuda a manter os juros baixos. Por outro lado, não há incentivos para a realização dos investimentos produtivos, tão necessários para o crescimento sustentado, enquanto houver a possibilidade de aumentar a produção com os equipamentos já instalados.
3. “Dívida bruta está crescendo de maneira acelerada e precisa de solução. Se nada for feito em relação à Previdência, vamos caminhar para a insolvência.”
Já abordamos o tamanho do problema fiscal no Brasil em outro artigo. A alta consistente da receita de impostos até 2014 mascarou durante muito tempo o problema do crescimento insustentável dos gastos, cuja expansão está relacionada às vinculações legais e constitucionais. Hoje, aproximadamente 90% das despesas são rígidas, ou seja, R$ 9 em cada R$ 10 dos dispêndios públicos apresentam pouca relação com os ciclos econômicos: sejam de alta ou de baixa.
O grande drama fiscal diz respeito à Previdência, responsável por praticamente 60% do total dos gastos primários do governo. A ausência de idade mínima, a diferença no tratamento entre servidores públicos e os da iniciativa privada e os generosos benefícios concedidos em comparação com outros países, segundo a OCDE, são apenas alguns dos problemas. Logo, a falta de uma solução adequada em curto espaço de tempo pode levar o Brasil à bancarrota.
Dívida bruta brasileira em relação ao PIB – %
Fonte: Banco Central do Brasil. Metodologia do FMI.
4. “Câmbio poderá chegar a R$ 5,30 e Banco Central deverá subir rapidamente os juros para conter a inflação.”
A taxa de câmbio, por depender de elementos domésticos e internacionais, é muito difícil de ser prevista. Podemos entender o valor da nossa moeda em relação ao Dólar como um sinal de confiança depositada sobre a nossa economia. Quanto mais desvalorizada, maior é o receio existente em relação à situação atual do país e de suas perspectivas futuras. Parte da depreciação observada nos últimos meses, quando a cotação passou de R$ 3,15 para mais de R$ 3,80, se deveu a fatores internacionais, enquanto as incertezas políticas e econômicas pesaram negativamente no front interno. Sem o equacionamento do problema fiscal e de outras reformas para aumentar a produtividade, a taxa de câmbio poderá se desvalorizar ainda mais em relação aos atuais patamares.
A subida do câmbio nos últimos meses tem suscitado debates em torno dos seus efeitos para a inflação e, consequentemente, sobre a taxa básica de juros da economia (SELIC). O chamado efeito pass-through está ligado à elevação do nível geral de preços provocado pela desvalorização cambial. Como resultado, a concorrência dos importados frente aos similares nacionais é menor: quanto mais enxutos são os mercados, maior é a inflação. Entretanto, diferentemente de outros momentos, a economia brasileira apresenta grande capacidade ociosa. Além disso, conforme a seção anterior, a retomada será ainda mais lenta do que a imaginada no começo deste ano. Por conta dessa conjuntura, acreditamos que o pass-through não seja tão significativo.
ESTADOS UNIDOS:
“Crescimento de 2,9% está acima do potencial.O nível de déficit fiscal é inédito para o estágio atual do ciclo (desemprego baixo com déficit alto). Inflação está surgindo. Já é possível ver um reflexo nos salários e nos custos de produção. Tarifas propostas pelo devem pressionar ainda mais a inflação.”
De fato, a economia americana deverá fechar o ano de 2018 com crescimento bem acima do potencial, situado em torno de 1,8% pelo Banco Central dos EUA (Federal Reserve – FED). Parte do impulso expansionista sobre o PIB vem da reforma tributária do presidente Donald Trump, que reduziu e simplificou a declaração de impostos dos consumidores, mas principalmente a das empresas.
Mesmo com a queda das alíquotas, a arrecadação vem aumentando no curto prazo, em função da aceleração do crescimento econômico. Todavia, esse ganho de receita é insuficiente para reequilibrar as contas públicas. Segundo a Moody’s, a dívida do governo federal deverá aumentar em US$ 1,5 trilhão até 2027, valor que supera (e muito) todo o déficit esperado para o ano fiscal de 2019 nos EUA, de US$ 984 bilhões.
Sem cortes pelo lado da despesa, cuja realização é bastante difícil em qualquer lugar do mundo por causa da existência de grupos de pressão organizados –, o desequilíbrio das contas deverá se aprofundar ainda mais. Nesse cenário, o governo precisará aumentar impostos no futuro, fato que determinará um freio à expansão econômica. Caso isso, de fato, venha acontecer, haverá apenas a substituição de mais crescimento hoje por menos no futuro.
As pressões inflacionárias oriundas da aceleração do crescimento e da potencial guerra comercial com outros países, como a China, estão materializadas sobre os indicadores de inflação/custos. O índice de preços ao consumidor no acumulado dos últimos 12 meses até maio, por exemplo, está em 2,7%, acima da meta de inflação de 2,0%. Diante desse cenário, a expectativa é de que o Banco Central dos EUA aumente 4, e não 3 vezes a taxa básica de juros – ao longo do primeiro semestre, já foram duas subidas.
Índice de preços ao consumidor – Estados Unidos – Var. % acumulada em 12 meses
Fonte: BLS.
Sobre esse ponto, a análise de Rogério Xavier parece não levar em consideração o efeito da elevação da produtividade do trabalho sobre a economia. Desde a posse de Trump, a quantidade de bens/serviços produzidos por cada trabalhador da iniciativa privada está crescendo. Quando isso acontece, há mais espaço para que sejam concedidos reajustes de preços e salários sem que isso pressione a inflação.
Produtividade do trabalho da iniciativa privada – Estados Unidos – Var. anualizada % em relação ao trimestre imediatamente anterior – c/ ajuste sazonal
Fonte: BLS.
2. “Condições financeiras seguem frouxas mesmo com as altas de juros recentes. Todos os episódios de recessão nos EUA aconteceram após altas de juros. Atualmente juros estão 0,9% abaixo do neutro, ainda tem muito para subir.”
De fato, as condições monetárias seguem muito frouxas nos Estados Unidos. A taxa de juros nos EUA permaneceu próxima a zero entre o fim de 2008 e o término de 2015. Desde então, o custo do dinheiro no tempo tem subido, porém em ritmo lento. Esse é um ponto de atenção não só para a economia americana, mas para todo o mundo, que conviveu com essa situação durante muito tempo: investidores ficaram sujeitos durante muito tempo a uma conjuntura excepcional de juros muito baixos. Agora, o processo de reversão desses estímulos pode gerar grandes mudanças na economia mundial.
3. “Balanço do FED precisa diminuir significativamente. Ou seja, taxa de juros americana vai explodir (10y) tem probabilidade muito alta de chegar 4-5-6%. Consequentemente, Brasil vai sofrer.”
Para tentar tirar a economia da recessão oriunda da crise financeira internacional de 2007-2009, o Banco Central dos EUA, além de diminuir os juros, imprimiu volumosas quantidades de moeda para tornar o custo do crédito mais barato também no longo prazo. Além disso, o objetivo era também diminuir o custo das hipotecas para incentivar o setor imobiliário, epicentro da crise. Ao todo, o FED injetou aproximadamente US$ 3,7 trilhões entre 2008 e 2015, o que equivale a mais de duas vezes o PIB da economia brasileira em 2017, convertido em dólares pela taxa de câmbio vigente. Essa grande quantidade de liquidez nos mercados provocou efeitos em todo o planeta, ao induzir a queda dos juros em escala global e a valorização das taxas de câmbio.
Total de liquidez (moeda) injetada na economia pelo Banco Central dos EUA – US$ trilhões
Fonte: Federal Reserve.
Como a economia americana já está recuperada, o FED não só está subindo os juros, como também retirando a moeda em circulação de forma escalonada. Esse processo também deve conferir dificuldade aos países emergentes, beneficiados pela entrada maciça de dólares no pós-crise de 2008.
Rogério Xavier também acredita que as taxas de juros dos títulos da dívida americana, hoje em torno de 3% ao ano, podem chegar até a 6%, em função de fortes pressões sobre os preços. Nesse cenário, haveria duas possibilidades. Na primeira, o Banco Central dos EUA continuaria perseguindo sua meta de inflação, de 2%. Entretanto, isso significaria que a economia americana conviveria com uma taxa de juros real (juros menos a inflação) de aproximadamente 4% ao ano, o que a colocaria nas primeiras colocações do ranking mundial dessa variável: algo pouco factível.
A segunda hipótese envolveria a manutenção da taxa de juros real em patamares próximos ao atual (próxima a zero). Aqui, o FED toleraria maior inflação, próxima a 6%. Ambos os cenários são irreais, diante da capacidade da economia americana em gerar crescimento sustentado (qualidade da mão de obra, infraestrutura, ótimas condições para o desenvolvimento de negócios, entre outras variáveis) e da credibilidade da autoridade monetária em manter a inflação sob controle.
Conclusão:
Boa parte dos alertas feitos por Rogério Xavier faz sentido, especialmente no caso brasileiro. A situação econômica nacional é bastante preocupante, e pode piorar ainda mais sem uma mudança radical de rota. É por esse motivo que as eleições de outubro são tão cruciais: sem novas reformas no âmbito macro e microeconômico, estaremos fadados a conviver com a acentuação da miséria, da pobreza, da inflação e da falta de emprego. Ou seja, pavimentaremos o caminho da nossa próxima crise. Ademais, a mudança do cenário internacional nos impõe mais um grande desafio: promover ajustes dolorosos em uma janela que deixou de ser tão favorável.