Imaginar que tudo o que aconteceu no TRF-4 no último final de semana foi fruto de interpretações legais divergentes por parte dos magistrados envolvidos é confessar ignorância sobre a degradação das instituições brasileiras. Da mesma maneira, analisar o ocorrido unicamente sob o prisma jurídico vale como atestado de altismo político.
O circo jurídico que foi visto obedeceu uma única lógica: manter Lula em pauta para ressaltar sua condição de “vítima”. Na cadeia ou solto, o que importa é que o ex-presidente continue sendo o centro das atenções do país. Em torno dele gravita a narrativa do “golpe”, que teria nascido com o impeachment de Dilma e se consolidaria com sua prisão.
Segundo matéria publicada na “Folha de São Paulo”, Paulo Pimenta (PT-RS), Wadih Damous (PT-RJ) e Paulo Teixeira (PT-SP) articularam para que o pedido de habeas corpus fosse analisado especificamente pelo desembargador Rogério Favreto, que foi filiado ao PT por muito anos. O jornal informa que “no início da semana passada, um amigo avisou Pimenta de que a escala de plantões havia sido publicada no site do TRF-4 e que Favreto, amigo de longa data do deputado, seria o responsável pelo tribunal no segundo fim de semana deste mês”.
Assim como sabiam quem seria o responsável por analisar o pedido, os autores da ação também tinham noção de que, mesmo deferido pelo plantonista companheiro, o HC em favor de Lula teria prazo de validade curto, já que na segunda-feira ele seria inapelavelmente revogado por Gebran Neto, relator do caso no TRF-4.
Se o deferimento do HC produzisse efeito ainda no domingo, Lula seria recebido pelos integrantes do acampamento petista ao lado da Superintendência da Política Federal em Curitiba. Imediatamente, lideranças de esquerda viriam de todas as regiões do país para se unir ao ex-presidente. Estaria montado um cenário muito parecido com aquele visto antes de sua prisão, com milhares de militantes prontos para impedir o cumprimento de qualquer ordem judicial que mandasse Lula de volta para a cadeia. Seria um ambiente turbulento, com possibilidade de conflito envolvendo os grupos políticos e as forças policiais. É bem provável que a situação perdurasse por dias, dando tempo para que o Supremo Tribunal Federal, pressionado pelos fatos, fosse instado a deliberar sobre a prisão após o julgamento de segunda instância.
Como o HC acabou sendo sustado no mesmo dia em que foi proposto, restou a exploração jurídica do caso. Os petistas voltaram a denunciar a Justiça, como se ela estivesse mancomunada para tirar Lula da eleição. Da mesma forma, ainda que responsáveis pela bagunça, também atacaram a insegurança jurídica, usando como argumento o prende e solta das decisões lavradas em poucas horas.
De qualquer modo, o objetivo foi alcançado e Lula voltou a ser o grande tema nacional. Na política, é sempre fundamental manter a militância mobilizada. Para não ser esquecido e continuar sendo o polo de gravitação da esquerda brasileira, Lula precisa ser continuamente lembrado. Se não em cima do palanque, na condição de candidato, então dentro de sua cela como cabo eleitoral, mas extremamente potencializado pela narrativa de perseguido.
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