O governador tentou suspender o tradicional parcelamento do imposto em 2020, viu seu plano ser detonado até pela base e caiu atirando.
O governador Eduardo Leite (PSDB), juntamente com a sua equipe, tentou implementar uma nova modalidade de pagamento em parcela única do IPVA – Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores – no ano de 2020. O que anteriormente poderia ser parcelado, agora deveria ser pago em uma única parcela, no mês de janeiro.
O gasto inesperado afetaria a vida de milhares de gaúchos que já fizeram o planejamento das suas contas para o início do ano, época pesada para o orçamento familiar.
O total arrecadado com o IPVA em 2018 ficou em R$ 3,1 bilhões. Nos últimos 10 anos, a média da arrecadação em janeiro ficou em 15% do valor total. Já os outros meses do ano apresentaram um perfil diferente a partir de 2016, com concentração maior dos pagamentos feitos em abril e dezembro.
A internet reagiu, políticos fizeram discursos inflamados (com destaque para Sérgio Turra, do PP) e a mídia reclamou muito após o anúncio oficial do novo calendário no início da segunda, 4 de novembro. Quase 24 horas depois, o próprio governador reuniu deputados para um café da manhã e informou que estaria voltando atrás e configurando o calendário como no ano de 2019.
Há quem considere o “clamor da internet” como a causa para a desistência. De fato, o espanto foi grande da parte de quem paga IPVA, mas o desconforto político que causaria dificuldade em votações futuras na Assembleia Legislativa e outros problemas em ano pré-eleitoral, são fatores muito mais pesados no mundo político.
Sou totalmente contrário à decisão do Governo do Estado de acabar com o parcelamento do IPVA e com o desconto por pagamento antecipado. Num momento tão grave como este que o Rio Grande do Sul atravessa, medidas mais arrojadas devem ser estudadas, como, por exemplo, a privatização do Banrisul. O que não podemos fazer é optar sempre por deixar a conta para o cidadão. Por fim, lamento que a base do Governo não tenha sido ouvida sobre essa decisão.
Seja como for, sempre há tempo para reconsiderar, reconhecer equívocos, rever posições e voltar atrás. Nesse sentido, acredito na sensibilidade e bom senso do Governador e do governo, e tenho a convicção de que essa medida não será posta em prática.
Na linguagem cifrada do mundo político, estas poucas linhas dizem muito.
Em primeiro lugar, eu quero destacar aqui que só erra quem faz. Só se expõe e mais se expõe aqueles que mais fazem. Trago pra mim a responsabilidade, a análise política da forma como isso deveria ser conduzido diante das tantas medidas duras que tomamos, falhamos ao observar, falhei pessoalmente ao observar a repercussão política que teria isso, que teria uma medida como esta (…).Você tem o quadro em que 40% dos contribuintes já pagam em dezembro e/ou em janeiro em cota única, e os demais pagam majoritariamente em cota única em abril ou até abril, em fevereiro, março e abril, só apenas 5% parcelam, esta antecipação de calendário não parecia, e de fato pra mim continua não parecendo tudo aquilo que se falou. É importante dizer que o estado do Rio Grande do Sul não se afastará da necessidade de discutir tantas outras medidas que serão amargas. Não há solução para um problema do tamanho que o Rio Grande do Sul… positiva. Não tem uma solução que só agrade a população. Você vai precisar fazer um tratamento duro pra poder vencer os problemas do estado do Rio Grande do Sul.
Como entra o dinheiro do IPVA no caixa do governo
Antes de mais nada, é preciso lembrar que o IPVA é dividido “meio a meio” entre Governo do Estado e município que emplacou o veículo (menos 20% para gastos com educação – FUNDEB – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação nos dois entes). Talvez até a agora defunta medida fosse um alento também para o caixa das prefeituras, já que não foram divulgadas regras mais detalhadas sobre este repasse.
Arrecadação do IPVA entre os anos de 2010 e 2019 (parcial). Até 2016, o dinheiro entrava de forma mais distribuída. Com alterações no calendário, os picos janeiro-abril-dezembro ficaram mais acentuados.
Tabelão do IPVA: quando e quanto o governo arracadou, mês a mês, entre 2010 e 2019 (até setembro).
A frota pagante de IPVA no Rio Grande do Sul é de 3,7 milhões de veículos (55% da frota total). Quem não paga, tem o nome incluído em dívida ativa e vai para o SPC, podendo sofrer cobrança judicial. Já os efeitos para os devedores quando pegos em uma blitz são bem conhecidos: multa, guincho e diárias (até acertar a situação).
A situação do Rio Grande do Sul é muito complicada, como o próprio governo já explicou muito bem na Cartilha criada recentemente, documento que embasa uma série de medidas para mudanças deste quadro no longo prazo. Esta ação com o IPVA foi totalmente fora da curva. Um erro político do governador Eduardo Leite cujos efeitos foram danosos para a sua imagem. Um mico (que arriscamos chamar de “mico do ano”, ainda em novembro).