Passo Fundo

Empréstimo do BID: a saga do dinheiro solicitado por Dipp que turbinou a administração de Luciano Azevedo

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Mais de dez anos depois das primeiras tratativas entre a prefeitura e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), um resumo sobre o empréstimo de quase 10 milhões de dólares que vamos pagar até 2035

No dia 16 de julho de 2010, o então prefeito Airton Lângaro Dipp assinou com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) o contrato de empréstimo 2320/OC-BR, garantindo para a Prefeitura a quantia de US$ 9.800.000,00 (nove milhões e oitocentos mil dólares), com contrapartida de igual valor por parte do Município. O Governo Federal entrou como fiador do empréstimo e a operação foi autorizada pelo Senado.

O dinheiro foi solicitado através do Programa Pró-Cidades, um mecanismo de crédito oferecido pelo BID para a melhoria do desenvolvimento urbano dos municípios. Passo Fundo foi a 13ª cidade na época a receber o recurso. As ações financiadas pelo empréstimo foram englobadas no que se chamou de PRODIN (Programa de Desenvolvimento Integrado do Município de Passo Fundo).

O Pró-Cidades foi anunciado pelo BID em 2006. A Prefeitura de Passo Fundo então se habilitou para receber o financiamento. A “justificativa geral” do projeto exibia a situação do Município, as condições urbanas e principais problemas e a solução através do PDDI (Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado) – este aprovado em 2006 e que atestava os problemas de trânsito na Avenida Brasil, as carências urbanas e a falta de diversidade econômica.

Importante: uma operação assim não é de responsabilidade única do prefeito: o empréstimo foi permitido pela Câmara de Vereadores através da Lei 4.539/2018.

Em 2008: a Lei autorizando a tomada de empréstimo.

A “cura” parcial dos males de Passo Fundo viria através de quatro componentes (que vamos replicar na íntegra, conforme o projeto), que significam um “nós queremos quase dez milhões de dólares e prometemos gastar mais dez do próprio bolso para fazer isso aqui”:

Componente I: Transporte e Mobilidade Urbana. O componente financiará as seguintes intervenções: (i) estruturação de um anel viário e de binários da área central; e (ii) implantação de estradas de acesso aos distritos Bela Vista, Bom Recreio e São Roque, com intervenções de melhorias das condições das vias, pavimentação e sinalização.

Componente II: Desenvolvimento Urbano da Área de Expansão. O componente financiará o desenvolvimento de um Plano Urbanístico Local da Região Sudoeste/Perimetral Sul, que definirá as diretrizes espaciais de ordenamento. Prevê a construção de praças, equipamentos comunitários e sociais, melhoria nas condições de infraestrutura local e a consolidação de um sistema de áreas verdes de lazer, através do planejamento e construção de um corredor verde linear, conectando esta região ao centro da cidade. Contempla, ainda, ações de requalificação urbana como a conversão da estrada que corta o bairro numa via com qualidades urbanas de perfil adequado, calçamento, mobiliário e arborização. Critérios de prioridade para a área, desenvolvidos no Plano, serão utilizados para definir obras e ações para a região, a serem executadas no âmbito do programa.

Componente III: Desenvolvimento Econômico Local. O componente financiará: (i) estudos de consultoria que apóiem a análise do ambiente econômico de Passo Fundo; (ii) a preparação de um Plano Estratégico de Desenvolvimento Econômico para o Município (PEDEL) e de um Plano Estratégico Setorial (PES); (iii) apoio na estruturação, fortalecimento e modernização da Secretaria de Desenvolvimento Econômico; e (iv) estudos de viabilidade e desenvolvimento do projeto básico de uma Plataforma Logística Intermodal.

Componente IV: Fortalecimento Institucional. O componente financiará: (i) os estudos de consultoria e planos estratégicos necessários para o desenvolvimento dos componentes de Transporte e Mobilidade e de Desenvolvimento Urbano; e (ii) a contratação de equipamentos, sistemas e capacitações com o intuito de fortalecer a capacidade das secretarias que participarão da execução do programa – Secretaria de Transportes, Mobilidade Urbana e Serviços (STMUS), Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SDE); Secretaria de Habitação (SEHAB).

Soma-se a isso uma quantidade enorme de burocracias, garantias ambientais, questões financeiras, consultorias, análises e viagens para que o dinheiro fosse liberado. E foi. Pelo contrato, os desembolsos deveriam ser feitos pelo banco em até 4 anos a partir da assinatura (os 9,8 milhões não entraram em uma única parcela na conta) e os pagamentos de amortização e juros em parcelas semestrais, começando em outubro de 2015 e com a última parcela podendo ser paga até 15 de abril de 2035.

Detalhe da assinatura do contrato entre a Prefeitura de Passo Fundo e o BID.

Como o dinheiro entrou

O BID liberou o dinheiro aos poucos para a Prefeitura, com um pequeno montante em 2011 (R$ 447 mil) e as maiores parcelas até 2016. Na tabela abaixo, os desembolsos e o valor médio do dólar e de quanto seria o pagamento em moeda americana a cada ano. Não sabemos o mês exato de cada desembolso e sua cotação.

Os gastos com o dinheiro do BID, as empresas beneficiadas e a joia da coroa: o Parque da Gare

O dinheiro do Programa Pró-Cidades pagou um emaranhado de serviços de consultoria, obras públicas e compras de equipamentos. Abaixo, uma tabela com dados compilados do Portal da Transparência da Prefeitura de Passo Fundo, com contratos relacionados ao projeto:

Os gastos com consultoria atravessaram os dois governos (Dipp e Luciano). O segundo deu um restart no programa após pagar uma avaliação intermediária. Aqui foram R$ 1,8 milhão.

A parte pesada do Procidades/Prodin: R$ 32,5 milhões em obras e projetos. Os principais contemplados foram Traçado Construções e Serviços LTDA, CSL Construtora Sacchi SA, Vertrag Arquitetura, Idom Consultoria, Incorp Consultoria, MSCA Informação Tecnologia Treinamento e Consultoria, Via Norte, Acaua Consultoria, Referência Obras e Sinalizações e Maxxim Serviços ambientais.

O Parque da Gare representa nesta tabela um gasto de R$ 10,3 milhões, quase ⅓ dos valores elencados.

Como estamos pagando essa dívida

Só em 2018, a prefeitura realizou 4 pagamentos de amortização e juros que somaram 2,6 milhões de reais.

O site da Transparência não informa com clareza os pagamentos em outros anos (constam valores compatíveis com o contrato, mas sem descrição). Por conta desta falta de qualidade na informação pública, vamos destacar apenas 2018. É uma dívida que deverá ser paga até 2035, por contrato.

Resumo

O “dinheiro do BID” foi obtido por esforço do governo Aírton Dipp e aprovação do Legislativo da época (2008), com uma gama enorme de objetivos oriundos de interpretações das necessidades da cidade, com foco em trânsito e desenvolvimento.

Na troca de governo, novos planos foram feitos, projetos ganharam nome e uma fortíssima carga ideológica foi adicionada ao sistema que gastou milhões de reais para “melhorar a vida das pessoas”. Grandes obras foram feitas (no tamanho) e a gigante máquina de marketing da administração Luciano Azevedo deitou e rolou com o resultado visual.

Nestes quase dez anos de obras, fitas cortadas, eleições e narrativas, cabe um exame mais aprofundado de todo este projeto – desde o primeiro centavo – aplicando-se a correção de rumo para as próximas gerações de gestores. Mas é tarefa para o próximo prefeito.

 

Não é nosso objetivo fazer uma avaliação da qualidade e eficácia das obras realizadas com o dinheiro do BID (No passado, já falamos aqui sobre obras em geral). Este é um mapa básico para quem tinha dificuldade para entender este importante processo que ocorreu em nossa cidade.

Para saber mais:

Perfil de Projeto

Carta para o prefeito Dipp – Aprovação do Projeto (2010)

Contrato de Empréstimo 2320/OC-BR

Avaliação Final PRODIN

 

 

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