Anúncio de parceria do governo do Estado com a operadora Vivo para fornecer dados de movimentação dos usuários assustou os gaúchos. Saiba como isso funciona.
O governador Eduardo Leite usou as redes sociais no último dia 10 de abril para atualizar os seguidores sobre as ações que estão sendo praticadas na gestão da crise com a pandemia do coronavírus.
Uma das novidades assustou boa parte dos gaúchos: o anúncio de uma parceria com operadoras de telefonia celular para o fornecimento de dados agregados (não individualizados) sobre o deslocamento dos celulares, para detecção ou constatação de possíveis aglomerações. Os dados seriam apresentados no formato “mapa de calor”, mostrando regiões com maior ou menor concentração de pessoas nas cidades gaúchas.
A live do anúncio: o assunto está em 11:30.
Se você já entendeu e mesmo assim tem reservas quanto a possibilidade do governo monitorar massas de pessoas em tempo real, pode continuar preocupado, pois é exatamente isso o que vai acontecer. Se você tem dúvidas sobre a ação individual nos aparelhos de celular, este texto é para você.
Pontos importantes a ponderar
Você pode dividir (a grosso modo) dados de celular em três grupos: o que está dentro do seu celular, no sistema operacional (Android, iOS e outros); o que vive na operadora como dados do dispositivo (conexão do celular até a antena, seu cadastro em geral, tarifação telefônica, sinais diversos); e o que você já mandou para os aplicativos e sites que costuma usar como todos os da família Google, Facebook, Instagram, WhatsApp, Strava e tantos outros.
Os dados que serão fornecidos para o governo são os que vivem na operadora, sem acesso direto ao seu celular, já agrupados com o posicionamento de vizinhos, colegas de trabalho e pessoas que estão no supermercado com você. Estes dados viram manchas em um mapa. Um exemplo: pequenas manchas espalhadas pelos bairros de Passo Fundo vão convergindo para o Bourbon e lá viram uma mancha vermelha maior.
Eduardo Leite não vai rastrear o seu celular
O governo não terá acesso ao posicionamento individual do seu dispositivo. Melhor dizendo, a operadora não entregará o seu histórico de posicionamento para o governo, e sim lotes, volumes de dispositivos por área em determinado tempo.
A prática não é uma invenção brasileira
Vários países no mundo estão usando técnicas similares para dois tipos de trabalho. O primeiro, entender a dinâmica da transmissão do vírus baseados no deslocamento de grandes massas. O segundo, a ação em tempo real para dispersão de aglomerações em tempos de ordens para isolamento social. É o sistema apitando um alarme e dizendo “Ei, no mínimo, 500 pessoas estão curtindo um jogo de futebol no campinho do bairro, façam alguma coisa”.
O experimento da Flórida
No final de março, nos Estados Unidos, duas empresas (X-mode e Tectonix) apresentaram uma animação em tempo real do deslocamento de pessoas entre a praia de Fort Lauderdale e suas casas. Foi possível observar que o acúmulo de centenas de pessoas em uma estreita faixa de areia na Flórida resultou em um potencial espalhamento de vírus capaz de cobrir ⅓ do território americano, na costa leste.
O experimento: as pessoas que curtiram a praia nesta pequena faixa de areia…
Voltaram para as suas casas em diversas cidades da costa leste e outras regiões dos EUA.
Diferente do proposto no Rio Grande do Sul, esta experiência usou dados de aplicativos que capturam a localização de forma permanente nos celulares, sem contato com as operadoras. As empresas envolvidas são fornecedoras de soluções de dados para desenvolvedores, empresas de publicidade e previsão do tempo.
Mesmo agregados, dados podem prejudicar empresas
Se usuários podem ficar tranquilos, grandes empresas do varejo nem tanto. A informação de horários de pico em shoppings e supermercados (entre outros negócios) é confidencial e muitos estabelecimentos usam este tipo de dado para planejamento de ações. Ainda que severamente alteradas em tempos de pandemia e “quarentenas”, tornar público as estatísticas de horários de pico de empresas com atendimento ao público pode ser prejudicial.
O lado bom
As tecnologias que monitoram o deslocamento de pessoas por celular podem ajudar governos municipais e até economizar dinheiro público. Tratadas com o devido cuidado e obedecendo às lei de proteção de dados, elas podem determinar onde realizar obras, como administrar o trânsito e traçar linhas de ônibus. Combinadas com outras formas de coleta de dados (lombadas eletrônicas, sistemas de emissão de notas fiscais, câmeras de trânsito, leitores de placas de veículos e outros), são uma mão na roda para o gestor. E podem até salvar vidas: na Califórnia, já foram realizadas buscas de sobreviventes dos incêndios com o uso de dados de localização.