Qualidade das informações prestadas coloca em dúvida o embasamento das ações que estão minando a economia do município e limitando a liberdade dos passo-fundenses
O prefeito de Passo Fundo Luciano Azevedo prometeu – durante entrevista coletiva do dia 19 último – que divulgaria um documento explicando o motivo do número de óbitos por COVID-19 na cidade. Na ocasião, disse:
E aí as pessoas me perguntam “ah mas por que que aqui, prefeito, tem o maior número de óbitos? Bom, nós estamos procurando produzir esta resposta. Nós já temos algumas explicações, mas nós estamos procurando produzir esta resposta e ela… nós vamos tentar expressar isso em um documento que nós deveremos divulgar amanhã, que tá sendo construído pela secretária de saúde, pelos hospitais, pelos médicos que estão na linha de frente, pelos epidemiologias, pelos intensivistas, pela faculdade de medicina, todo mundo tentando dar esta explicação, que não é uma explicação simples mas que tem que ser dada para a sociedade e nós estamos procurando fazer isso. Bom, além disso né? Tem algo que eu gostaria de considerar aqui também.
Cumprindo a promessa, foi divulgado pela Prefeitura um documento em pdf com 7 páginas no site oficial. Sem a assinatura de nenhum responsável, o “Relatório de Análise dos Óbitos COVID – 19 em Passo Fundo – 19 de maio de 2020” traz no cabeçalho apenas a designação “COE Passo Fundo” como autor.
Confuso, o relatório faz um preâmbulo sobre a situação do COVID-19 em Passo Fundo e no Rio Grande do Sul, seguido por uma conclusão dividida em sete tópicos.
A introdução garante que o Município tomou ações para prevenção de forma adiantada e pioneira, fazendo um resumo dos atos que inclui aquisição de respiradores e ampliação de leitos hospitalares. Atesta ainda que houve melhora nos índices da região de Passo Fundo no plano de distanciamento controlado do governo gaúcho.
Antes de passar para a conclusão, o relatório mostra a análise dos 23 óbitos (até a data do estudo). Metade das pessoas teriam procurado diretamente os hospitais sem dar importância para os sintomas, agravando o estado de saúde na internação. A média de idade é de 75,2 anos e o tempo médio de internação foi de 8,5 dias.
Apesar das polêmicas de internet sobre medicações e escolhas técnicas ou políticas, o relatório afirma que “Passo Fundo tem incluso o uso de hidroxicloroquina, oseltamivir e macrolídeo (azitromicina ou claritromicina), mesmo sem a existência de protocolos que demonstrem eficácia para o tratamento de COVID-19”. Por fim, esta parte do documento alega que os óbitos em Passo Fundo estão de acordo com o comportamento no estado do Rio Grande do Sul.
A conclusão do documento
Com diversas citações e links para reportagens, sites de pesquisa e de governo, a Prefeitura conclui que a taxa de mortalidade por infecção grave com indicação de UTI está abaixo da média nacional.
Ao justificar o percentual de mortes em UTI por coronavírus em Passo Fundo (27,8%) e dizer que a cidade não está acima dos índices observados, o responsável escolhe os índices do Reino Unido (33%) para comprovar a afirmação e, ao final, diz que em São Paulo o índice é de 20%.
Um dos únicos dados interessantes do documento: a distribuição das internações nos principais hospitais de Passo Fundo.
Há o destaque para a não ocorrência de óbitos em pacientes jovens, sem comorbidades ou profissionais de saúde em Passo Fundo.
A quarta conclusão (que também é a mais longa e mais confusa) trata da população afetada pelo coronavírus comparando as infecções de Porto Alegre e Passo Fundo. Argumenta que o contágio iniciou em Passo Fundo (com seus dois surtos documentados) quando o vírus ainda “circulava entre o estrato social de maior renda”, potencializado pelo nível socioeconômico dos trabalhadores quando começou a ocorrer nos frigoríficos. Deste ponto em diante, o “item 4” dispara considerações sociais, citando desde populações sem acesso a direitos básicos até perfil do cadastro do Bolsa Família em Passo Fundo. Se este resumo é confuso, o original é bem mais.
Antes de terminar, a justificativa 4 é categórica ao afirmar que a interdição do frigorífico em Passo Fundo teve influência na melhoria dos indicadores da região e que o surto no estabelecimento foi responsável por 25% dos óbitos do Município.
O item 5 afirma que não houve colapso no sistema de saúde local, isentando a infraestrutura médica da cidade como causa de mortes.
O documento finaliza com o item 6 (considerações sobre a população idosa e o coronavírus) e 7 que alega – baseado em pesquisa e um reduzido número de testes no RS – o índice de letalidade em Passo Fundo é de 0,67%.
Nossa conclusão
O combinado “Coletiva do prefeito no dia 19” com a elaboração do documento em questão mostra de forma arrasadora que a resposta do Município, face ao anseio da população, está muito abaixo do esperado, tendo em vista o tamanho do problema. Há uma necessidade ansiosa de dizer que tudo está dentro do normal, que não existe erro por parte da Prefeitura e o contágio ou número de mortes são matematicamente aceitáveis.
O Prefeito deveria dissolver qualquer gabinete de crise montado para o coronavírus e começar tudo do zero, com um time interdisciplinar de profissionais, transparência de dados, linhas do tempo e comunicação profissional, distante do marketing da morte escolhido como método diário. Talvez esteja aí a solução para o salvamento de vidas, início da longa (e parcial) recuperação econômica e, como não dizer, da sua própria biografia.