Inquérito aberto pelo Supremo em perseguição a bolsonaristas não foi bem digerido: que imparcialidade há em ser julgado pelo próprio acusador?
Recentemente, o mandado de busca que partiu de inquérito do Supremo, que obrigou a Polícia Federal a confiscar celulares e notebooks de jornalistas, blogueiros e outras figuras conhecidas entre os grupos de direita (sobrou até para um comediante) foi duramente criticado. A operação da PF aconteceu no âmbito de inquérito instaurado pelo presidente do STF, Dias Toffoli, para apurar fake news contra membros da corte. Além disso, oito deputados federais e estaduais, que não foram alvos da busca e apreensão, foram intimados a prestar depoimento. Poucos dias atrás, 11 deputados federais foram alvo de quebra de sigilo bancário no âmbito do inquérito que apura “atos antidemocráticos”.
Tudo indica que o Supremo mexeu num vespeiro. O senador Luiz do Carmo (MDB-GO) se posicionou contra o inquérito do STF, assim como outros parlamentares. Ele criticou o tribunal por ultrapassar os limites do “ativismo judiciário” ao conduzir a investigação policial sobre fake news sem o respaldo de uma definição legal: “O STF tem praticado funções atípicas às suas prerrogativas, invadindo o Poderes Legislativo e Executivo. O STF não tem autorização para legislar, afinal, os ministros não foram eleitos pelo voto popular”. É certo que os únicos que aplaudiram a medida são aqueles que residem num tempo em que um político tinha poderes para tudo no Brasil, sem contar aqueles que só de ouvir o nome de Bolsonaro já precisam verificar a pressão.
Goste ou não do movimento de direita que recrudesce com o passar dos dias, certamente até um estudante de Direito nos primeiros dias de curso acharia estranho que uma pessoa pudesse ser julgada pelo próprio acusador. E o dever de imparcialidade, baluarte da justiça?
Embora criticado pela autoria do projeto conhecido com PL das Fake News, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) apresentou o PL 3.451/2020, que acrescenta o artigo 5º-A ao Código de Processo Penal (Decreto 3.689, de 1941) para disciplinar a instauração de inquérito sobre infração à lei penal nas dependências de tribunais superiores. O que se quer, em essência, é que, em caso de infração à lei penal na sede ou dependência do Supremo Tribunal Federal (STF), dos tribunais superiores ou em prejuízo de seus membros, o presidente do tribunal requisitará a instauração de inquérito ao Ministério Público, sendo vedada a abertura de ofício.
O projeto tem como objetivo evitar a instauração de inquéritos como o das fake news, aberto pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que, segundo Alessandro, é uma “afronta expressa ao texto constitucional”. De acordo com a proposta, em casos como esse, o presidente do tribunal deve requisitar a instauração de inquérito ao Ministério Público, sendo terminantemente vedada a abertura de ofício, explica o autor da proposição. Na justificativa do projeto, Vieira aponta que: “Muito embora seja indiscutível a necessidade de se investigar e punir os responsáveis por condutas criminosas em face de ministros do Supremo Tribunal Federal ou de outras Cortes superiores, não se pode permitir que inquéritos sejam instaurados pelos próprios magistrados, alijando-se o Ministério Público de seu munus [dever] constitucional”.
O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) também é autor do projeto de lei que ficou conhecido como PL das Fake News.
O projeto também altera o Regimento Interno do STF (RISTF), em convergência com entendimento da Corte, conforme explica o senador na justificativa, que reproduz decisão do então ministro Moreira Alves, em julgamento de 1990:
“Ao Judiciário não cumpre acusar. Desse modo, com muito mais razão não cumpre a ele investigar. Desse modo, o artigo 43 do RISTF, ao dispor que o presidente do Supremo Tribunal Federal ‘instaurará inquérito’, nitidamente possui como razão de ser um sistema inquisitorial presente no período da ditadura, o que não se coaduna com as disposições constitucionais de 1988 que primou pela separação total entre acusação e julgador. A jurisprudência desta Corte não diverge desse posicionamento”.
O projeto, por enquanto, aguarda votação no Plenário do Senado.