O que os momentos de florescimento cultural na história têm em comum? Todos chamavam a atenção dos estudantes pela reunião dos bons mestres
A clássica Atenas do século IV a.C. era considerada um dos grandes berços do conhecimento. No intervalo de uma ou duas gerações, muitos estudantes para lá se dirigiam para encontrar Protágoras, Sócrates, Platão ou Aristóteles. Da mesma forma, a Paris do século XII foi outro manancial de sabedoria, reunindo em duas ou três gerações nomes como Aberlardo, Guilherme de Champeaux, Hugo de São Vítor, Alberto Magno e Tomás de Aquino – muitos estudantes para lá se dirigiam. Séculos depois, a Alemanha do final do século XIX também se tornara um berço de conhecimento e pesquisa, atraindo estudantes e professores do mundo todo. Mais tarde, entre as décadas de 1920, 30 e 40 na Universidade de Viena, nomes como Hans Fischer, Schrödinger e Victor Hess, Konrad Lorenz, Viktor Frankl ou os economistas da chamada “Escola Austríaca” também, em duas gerações, faziam daquele um centro muito procurado pelos estudantes. Depois da Segunda Guerra, então foi a vez de os EUA se tornar o grande centro de pesquisa, conhecimento e busca por formação, uma vez que uma avalanche de grandes nomes para lá haviam imigrado.
O que todos esses momentos da história possuem em comum? Chamavam a atenção dos estudantes pela reunião dos bons mestres. A história nos mostra uma evidente lição, que todo pai ou mãe reconhece com facilidade: bons professores fazem uma fundamental diferença. Trata-se da pedra angular de toda e qualquer melhoria na educação, muito mais do que investimentos, métodos ou tecnologia, como já observamos em artigo anterior. E nunca é demais insistir nesse ponto uma vez que a educação brasileira há décadas tateia buscando soluções, jogando a bola ora para o investimento público, ora para reformas curriculares.
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Há quase 60 anos, pesquisas buscam identificar os fatores de maior influência na educação. Nos EUA, o Relatório Colemann, de 1966, pioneiro nessa área, havia concluído que a diferença sócio-econômica dos estudantes era o fator que mais pesava no desempenho escolar. Na Inglaterra, o Relatório Plowden, de 1967, concluía que a atitude dos pais era o fator de maior relevância. Estava armada a discussão: a partir daí, uma série de pesquisa e meta-análises abrangentes aprofundaram e identificaram os fatores mais relevantes.
Em 1987, o pesquisador australiano, Barry Fraser, divulgou um estudo que abrangia quase 8 mil pesquisas, envolvendo 10 milhões de alunos, analisando a confluência de resultados entre desempenho de alunos, formação, titulação e tempo de experiência de professores, métodos empregados, estruturas escolares, classes sociais, etc. Resultado: a atuação de um bom professor e suas estratégias pedagógicas possuem quase 3 vezes mais influência no desempenho dos alunos do que outros fatores. Em 1993, a americana Margareth Wang e colaboradores também divulgou um estudo que envolvia 50 anos de pesquisa e quase 11 mil resultados estatísticos, concluindo que o professor qualificado, com domínio da gestão de classe e das estratégias pedagógicas, era o fator de maior influência. Em 2002, Eric Hanushek apresentou outra pesquisa com 500 mil estudantes, em cerca de 3 mil escolas, chegando aos mesmos resultados. Em 2003, John Hattie, em estudo que envolveu 50 mil artigos, 150 mil análises e o desempenho de 240 milhões de estudantes, concluiu na mesma linha – a atuação do professor, disparado, é a variável mais importante. Em 2014, o canadense Clermont Gauthier, nos estudos sobre ensino explícito e estruturado, também chegou as mesmas conclusões, com o acréscimo que perspectivas construtivistas também apresentavam baixos desempenhos. No Brasil, em 2015, João Batista Araújo e Oliveira e colaboradores apresentaram o relatório “Educação Baseada em Evidências”, no qual reuniram variadas pesquisas que também mostram o impacto de bons professores – um professor qualificado é capaz de realizar em um semestre o que um professor mediano realizaria em um ano.
Sim, é claro que a educação é uma reunião de vários fatores. Mas entre todas as variáveis, a atuação, a formação e o estudo contínuo dos professores, de longe, é o fator que mais impacta na educação e no desempenho dos alunos. Trata-se de uma questão que deve ter urgência e apelo popular, caso os interesses pela melhoria da nossa educação sejam reais.
Ainda que muitos acreditem que reformas curriculares possam criar profundas mudanças, ou que o aumento da soma de investimentos públicos será convertido em melhoria necessária, cabe a pergunta a nós, pais e mães – quantas vezes nos preocupamos com o corpo docente que estará a frente dos nossos filhos? Em que pese todos os fatores envolvidos na escolha de uma escola, qual o peso da qualidade dos professores em nossas decisões? Quem se importa com isso? É um momento oportuno para reflexão.
*Cidney Antonio Surdi Junior – Professor e pesquisador na área de história da educação, filosofia e cultura. Mestre em Filosofia pela UFPR. Criador do canal Filosofando Podcast e pai do Dante.