Covid-19

O abismo intelectual da mídia na interpretação dos dados referentes ao coronavírus

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Em reportagem da BBC News Brasil, a defesa de equívocos parece mais sensato que a análise de estudos consistentes sobre o Covid-19

Antes de mais nada, é preciso deixar claro que os dados sobre Covid-19  aqui apresentados não são opiniões ou tendências jornalísticas, muito pelo contrário: são assertivas baseadas nos dados científicos correntes, interpretados por um médico que desde o início desta pandemia tem estudado e se dedicado a analisar estudos clínicos e opiniões científicas robustas.

Num outro momento, seria apenas motivo de chacota entre pesquisadores as opiniões e interpretações da jornalista Lais Alegretti (BBC News Brasil), no vídeo abaixo, sobre a saga do Covid-19 no mundo. Porém, com o insistente apelo midiático para aterrorizar e manipular a sociedade – segundo o que a imprensa passou a acreditar como verdade, faz-se necessário uma resposta de profissionais da saúde para desmentir o que foi dito.

Pouco ou nada importa a concepção de pandemia ou “sindemia”, palavra esta nada (ou miseravelmente) aceita no meio científico. Afastando-se de modelos de cobaias ideais perfeitas e sem comorbidades, toda e qualquer epidemia apresentará fatores de risco: sarampo mata mais crianças; o H1N1 mais gestantes; a rubéola quase sem sequelas para a população em geral, mas pode gerar má formações importantes em crianças intra-útero, assim como o zica.   Seriam todas essas “sindemias” pelo conceito – então às favas com esse termo.  Doenças pulmonares infecciosas como pneumonia estão muito associadas a alta letalidade em idosos ex-tabagistas com DBPOC; nem por isso o medíocre veículo se preocupou em caracterizá-la como sindemia, assim como não o fez com etilistas hipertensos.

Ao citar quarentenas novamente, Lais omite o fato de que nunca na história da humanidade ter sido realizado quarentenas isolando sadios ou assintomáticos no meio de uma sociedade que enfrentava uma nova doença.  Sim, realizamos isolamentos de portadores e contatantes vindos de regiões contaminadas ou de pacientes já doentes, isso porque, na lógica do atendimento da saúde, sempre possibilitamos à sociedade tranquilidade de se manter e combater os outros desafios enquanto cuidávamos dos doentes.

Seguindo o vídeo, percebe-se também uma tendenciosa manifestação de associar à pobreza maior letalidade do Covid-19.  Claro que em todas as doenças há,  e sempre foi assim, o que não é novidade para a ciência, que pessoas com nutrição fragilizada têm pior prognóstico ao enfrentar qualquer infecção, incluindo (por que não?) o coronavírus.  Entretanto, faz-se destacar a hipocrisia dos dados, nos quais se aponta maior mortalidade dos negros, pois não conseguiria relacionar estes dados com a raça em si (para “lacrar” com o discurso de raças oprimidas)  em países pobres onde não se vê essa diferença.  Também, pareando populações com o nível social, não encontraremos esses dados (negros de níveis socioeconômicos elevados não apresentam maior letalidade que brancos, tampouco mulheres ou homossexuais em mesmas condições).

Agora um fator de risco há e que não difere muito entre classes sociais, e aumenta (e muito) a mortalidade, miseravelmente omitido pela reportagem: a idade.  De maneira hipócrita, a matéria não quis informar que este sim diferencia o Covid-19 de outras epidemias de gripe.  Em idades inferiores aos 40 anos, a letalidade do Covid-19 é praticamente nula e inferior a gripe comum, mesmo em pacientes com um dos fatores de risco conhecidos (e.g. obesidade, hipertensão, diabetes, cardiopatias, DBPOC).  Para a mortalidade aumentar e se tornar muitas vezes maior, precisamos observar apenas pacientes com mais de 65 anos e portadores de dois ou mais dos fatores de risco anteriormente mencionados.  “Isto a Globo não mostra”, como dizem hoje – e nem a BBC, pelo visto!

Não mencionar que o tratamento precoce é possivelmente a melhor opção no momento para o manejo no final de 2020 é de uma necessidade vergonhosa em não reconhecer a aposta perdida que o jornalismo fez ao não valorizá-lo no início, politizando e tentando manter o discurso do “fique em casa” (para os interessados, aqui fica o link com dados impressionantes de redução de mortalidade com o manejo adequado nos primeiros dias de sintomas:  https://c19study.com/).

Com o decorrer da reportagem, inicia-se um demagógico apelo pelo manejo dos fatores de risco para melhorar os resultados, sem questionar o mérito de preveni-los. É de uma ignorância ingênua da parte do jornalismo dizer que precisamos combater fome, desigualdades sociais, obesidade diabetes e hipertensão, quando o mundo médico o faz há décadas, isso sem conseguir o apoio necessário da mídia, pois enfrentaria seus principais patrocinadores, que são as empresas de fast-food, refrigerantes, cervejas e alimentos industrializados.

E, por fim, chega-se ao ridículo de associar a destruição da natureza e o contato com animais silvestres como maneira de mitigar a origem do vírus, que se não foi gerado no laboratório de virologia de Wuhan, numa pesquisa desastrosa,  foi ao comer um morcego, e não por vontade de caçá-los e maltratá-los, mas por carência de proteína animal, num país onde milhões de pessoas não têm acesso a carne de boi ou de frango, e  se submetem a comer de cachorros a ratos.

*Guilherme Krahl é médico, cirurgião cardiovascular de Passo Fundo (CRM-RS 24091)

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