Liberados por jurisprudência do STF, vereadores dispõem de plena liberdade de expressão nas respectivas Câmaras, sem quaisquer consequências às atividades políticas
A população aprendeu a desconfiar dos políticos, os quais, de uma maneira geral, do ponto de vista institucional, parecem não levar isso em conta na hora de cumprir as obrigações do seu mandato. Numa pesquisa mundial realizada em 2016, envolvendo 27 países e reunindo outros 30 mil trabalhos, constatou-se que o povo brasileiro é o que menos confia nos seus políticos, presente em apenas 6% dos pesquisados. Outra pesquisa, realizada pela Datafolha em 2019, em solo pátrio, apresentou graus irrisórios de confiabilidade em instituições como partidos políticos e Congresso Nacional. Os exemplos locais tampouco são animadores: analisando os discursos proferidos na Câmara de Vereadores de Passo Fundo, por exemplo, vê-se que a política ainda se esforça para convencer, independentemente se o que está sendo dito condiz com a realidade ou não.
No retorno das sessões plenárias presenciais desde ano, o vereador comunista Alex Necker (PCdoB) voltou a usar seu tempo de fala na tribuna para atacar o Governo Bolsonaro. De acordo com o parlamentar, o atual governo não apresentou nenhum plano emergencial de geração de renda e emprego para a população – o que não corresponde à verdade (goste ou não do Bolsonaro!). No link a seguir, do Ministério da Economia, há uma linha do tempo das medidas econômicas voltadas para a redução dos impactos da Covid-19 (Coronavírus) adotadas pelo Governo Federal.
Ainda, no mesmo trecho da fala, enaltece o trabalho do governador do Maranhão, o comunista Flávio Dino, pelo trabalho realizado no seu estado. No entanto, para aqueles que não sabem, Dino envolveu-se recentemente numa polêmica pela compra e distribuição da revista Carta Capital nas escolas maranhenses, compra realizada sem licitação, com contratação direta e às custas de R$ 1, 3 milhão. O governador havia sido capa da revista em 2019. Conforme divulgado na imprensa:
Contratos firmados pela Secretaria de Estado da Educação mostram que o governo do Maranhão, comandado por Flávio Dino (PCdoB), gastou quase R$ 1,3 milhão em assinaturas da revista Carta Capital nos anos de 2019 e 2020 para distribuir nas escolas públicas do estado. O primeiro desses dois contratos, assinado pela Editora Confiança, aparece no Diário Oficial do Estado no dia 30 de abril de 2019, com um valor total de R$ 600.576, sendo R$ 408 reais por assinatura. Já o segundo foi publicado no mês de agosto de 2020. O valor pelas 1.472 assinaturas subiu para R$ 671.984,40, 10% a mais do que o contrato anterior. No período que vai de abril de 2019 a julho de 2020, último mês antes da assinatura, o IPCA, a inflação oficial do Brasil, soma 3,19%. Ou seja, bem abaixo da alta entre um contrato e outro.
O Governo do Maranhão informou, no dia 2 de setembro, por meio de nota, que está “em processo de revogação” o contrato da Secretaria de Estado da Educação (Seduc) com a Editora Confiança para aquisição de assinaturas da revista Carta Capital, após uma avalanche de críticas nas redes sociais.
A seguir, é possível conferir o trecho da fala de Alex Necker, no qual faz todos esses apontamentos:
Diante dessa situação, em 08 de setembro, o autor deste texto, por meio da Ouvidoria da Câmara de Vereadores de Passo Fundo, fez uma manifestação acerca do discurso de Alex Necker na tribuna. Reiterando aquilo que foi dito: “Embora ciente da liberdade de atuação [do parlamentar], a tribuna não pode ser utilizada para proferir mentiras para a população, manchando assim o trabalho da Câmara [de Vereadores de Passo Fundo]”.
A partir da denúncia, esperava-se que seria remetida ao Conselho de Ética da Casa para averiguar a situação. No dia 08 de outubro, a resposta foi enviada, que pode ser lida na íntegra AQUI. Em síntese, o despacho do presidente interino da Câmara, o vereador Ronaldo Rosa (SD), informou que “o inciso VIII do artigo 29 da atual Constituição da República confere ao vereador a prerrogativa da inviolabilidade por suas opiniões, palavras e votos proferidos no exercício do mandato e na circunscrição do município”, e para o qual “a inviolabilidade do vereador, ou imunidade parlamentar material como também é conhecida, visa garantir independência aos membros do parlamento municipal para permitir o bom exercício da função e proteger a integridade do processo legislativo”.
Ainda, valendo-se do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 600063/SP, em 25/02/2015, sob a relatoria do Ministro Marco Aurélio, quando nos limites da circunscrição do município e havendo pertinência com o exercício do mandato, garante-se a inviolabilidade ao vereador, e finalizou com o seguinte trecho:
Sendo assim, forte na conexão existente entre a fala do Vereador Alex Necker na sessão plenária do dia 02/09/2020 e o exercício do seu mandato e no cumprimento do limite geográfico (circunscrição do Município de Passo Fundo), resta caracterizada a hipótese de inviolabilidade parlamentar de que trata o inciso VIII do artigo 29 da atual Constituição da República, razão pela qual a Mesa Diretora resolve (Ata 006/2020, reunião da Mesa Diretora realizada em 30/09/2020), e eu determino, o arquivamento do presente expediente.
Vê-se, portanto, que o discurso político acaba sendo poucas vezes voltado para a verdade. Percebe-se assim muita retórica. Basta que o público acredite que a mensagem que está sendo proferida seja verdadeira, para que desse modo seja vista como tal. A regra do jogo é convencer, independentemente de estar se falando a verdade ou não. Neste despacho, a Câmara de Vereadores garantiu a continuidade dessa prática antiética e amoral.