Em breve, a população brasileira terá que decidir se irá para as filas de vacinação em massa ou se exigirá o direito de não se vacinar. Isso num cenário otimista. No entanto, já há medidas em curso para a imposição de vacinação obrigatória
OAB em ação durante a pandemia
Em abril deste ano, fruto de ação da OAB (ADPF 672), o ministro do STF Alexandre de Moraes concedeu parcialmente medida cautelar na arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) para garantir que as medidas adotadas pelos estados e municípios no enfrentamento à pandemia de Covid-19 sejam respeitadas pelo governo federal.
De acordo com o site do Conselho Federal da OAB, o presidente da entidade, Felipe Santa Cruz, se manifestou nos seguintes termos na ocasião:
A decisão do ministro Alexandre de Moraes mostra a firmeza do STF na defesa da nossa Constituição, dos princípios da Federação, da independência e harmonia entre os Poderes e, acima de tudo, é uma vitória do bom senso na luta contra nosso único inimigo no momento: a pandemia que ameaça a vida de milhares de brasileiras e brasileiros.
Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, o carioca Felipe Santa Cruz
Em sua decisão, Moraes afirmou reconhecer e assegurar o “exercício da competência concorrente dos governos estaduais e distrital e suplementar dos governos municipais, cada qual no exercício de suas atribuições e no âmbito de seus respectivos territórios, para a adoção ou manutenção de medidas restritivas legalmente permitidas durante a pandemia, tais como, a imposição de distanciamento/isolamento social, quarentena, suspensão de atividades de ensino, restrições de comércio, atividades culturais e à circulação de pessoas, entre outras”. E ainda, para Alexandre de Moraes:
Não compete ao Poder Executivo federal afastar, unilateralmente, as decisões dos governos estaduais, distrital e municipais que, no exercício de suas competências constitucionais, adotaram ou venham a adotar, no âmbito de seus respectivos territórios, […] mecanismos reconhecidamente eficazes para a redução do número de infectados e de óbitos.
De acordo com o documento protocolado pela OAB no STF, “as medidas no campo da saúde são constantemente enfraquecidas e ameaçadas por uma atuação reiterada e sistemática do Presidente da República no sentido de minimizar a crise, de desautorizar a estratégia de isolamento social, defendida pela OMS e pela própria Pasta da Saúde, e de atacar governadores que têm adotado medidas sanitárias restritivas”. Moraes reconheceu ainda a existência, no presente momento, de uma ameaça séria, iminente e incontestável ao funcionamento de todas as políticas públicas que visam a proteger a vida, saúde e bem estar da população.
Agora, em decisão unânime referendada em 19/10/2020, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou parcialmente procedente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 672 e referendou decisão monocrática do ministro Alexandre de Moraes que assegurou aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios liberdade para adotar medidas de combate à pandemia da Covid-19, no exercício de suas atribuições e no âmbito de seus territórios. Entre as medidas previstas na liminar, concedida em abril, estão a adoção ou a manutenção de medidas restritivas sobre distanciamento e isolamento social, circulação de pessoas, funcionamento de escolas, comércio, atividades culturais e outras eficazes para a redução do número de infectados e de óbitos, como demonstram a recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS).
Com a decisão de mérito, o Plenário assegura aos estados, ao DF e aos municípios, a efetiva observância dos artigos 23, incisos II e IX, 24, inciso XII, 30, inciso II, e 198 da Constituição Federal na aplicação da Lei 13.979/2020, relativa ao estado de emergência sanitária decorrente da pandemia do novo coronavírus. A decisão colegiada ressalva, no entanto, que as medidas devem se fundamentar em orientações dos órgãos técnicos correspondentes, resguardada a locomoção de produtos e serviços essenciais definidos por ato do Poder Público federal, “sempre respeitadas as definições no âmbito da competência constitucional de cada ente federativo”.
Leia a íntegra do voto do relator, ministro Alexandre de Moraes.
Partidos vão ao STF contra decisões do governo sobre vacinação contra covid-19
Em outubro deste ano, o PDT e a Rede Sustentabilidade entraram com ações no Supremo Tribunal Federal (STF), em que pedem, respectivamente, autonomia para estados e municípios decidirem sobre a vacinação contra a covid-19 e o plano do governo federal de aquisição de vacinas inclusive a que é fruto da parceria do Instituto Butantan com a empresa chinesa Sinovac.
Em sua ação, o PDT pede ao STF para que os entes federados (estados, municípios e o Distrito Federal) tenham autonomia de promover a vacinação obrigatória das populações sob suas respectivas alçadas. Em nota oficial, o partido admite que a ação foi motivada por recente declaração do presidente Jair Bolsonaro contra a obrigatoriedade da vacinação.
Já a ação da Rede é uma arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), que quer obrigar o governo a apresentar, em 48 horas, planos de aquisição de vacinas contemplando todas as alternativas viáveis. No documento, o partido afirma que a ADPF foi motivada pela decisão de Bolsonaro de vetar a compra da vacina fruto da parceria Sinovac-Butantan.
Humberto Costa propõe comissão para acompanhar registros de vacinas
Em 27/10/2020, no Senado Federal, o senador Humberto Costa (PT-PE) propôs a criação de uma comissão temporária de senadores para acompanhar o registro das vacinas contra a covid-19 na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Segundo o requerimento (RQS 2551/2020) por ele apresentado, a comissão também deve monitorar toda a cadeia produtiva, os processos de desenvolvimento, produção, aquisição e posterior distribuição de uma vacina à população. Ao destacar que o fim da pandemia do novo coronavírus depende da imunização, Humberto Costa, que é médico e ex-ministro da Saúde, defendeu a adoção de critérios científicos em todo o processo de desenvolvimento até a vacinação da população. Pela proposta do senador, a comissão deve contar com seis senadores titulares e seis suplentes, ouvir o ministro da Saúde e o diretor-geral da Anvisa e funcionar por quatro meses. Com base em declarações de Jair Bolsonaro, presidente da República, o senador se disse receoso que haja uma politização de uma questão que diz respeito à saúde pública.
Covid-19: Vacina obrigatória terá desobediência civil em massa
A opinião pública acerca da obrigatoriedade da vacinação contra o Covid-19 está longe de um consenso. Como a pandemia desde o início foi marcada por uma guerra de posições políticas, não seria diferente quando o debate chegasse às medidas necessárias para a sua contenção. Desde que a polêmica decisão do STF garantiu a autonomia dos estados e municípios para gerência da saúde, fruto de uma medida cautelar patrocinada pela OAB, o Governo Federal tem feito o possível para garantir que não haja nenhuma violação de direitos individuais no combate ao vírus chinês. O certo é que não haverá meio termo: um grupo correrá para a fila, enquanto outro irá para as ruas protestar.
Desde que as medidas restritivas foram propagadas pela grande mídia, muitos políticos tomaram para si, de pleno direito, as rédeas de como conduziriam as ações nos seus respectivos estados ou municípios. Um dos símbolos dessa bizarra guerra contra o Governo Federal é João Dória, que além de se eleger nas costas da popularidade de Jair Bolsonaro, correu para os braços dos chineses logo que a pandemia avançou. Muitos viram que aquele discurso ruidoso contra Lula não passou de uma balela eleitoreira para chegar ao Governo do Estado de São Paulo. Muito embora o presidente Jair Bolsonaro tenha garantido que não irá impor a obrigatoriedade da vacina, João Dória já pontuou que, nas pendências do seu estado, todos os cidadãos serão obrigados a tomá-la.
O presidente Jair Bolsonaro tem divulgado na imprensa e nas suas redes sociais que o caráter obrigatório da vacinação somente poderá ser determinado pelo Ministério da Saúde, decorrente de lei da década de 1970. Mesmo assim, como pode ser conferido no vídeo a seguir, ressaltou que, embora reconheça o direito de cada brasileiro receber a vacina, isso não implica qualquer obrigação. Mais uma vez: trata-se de um “direito”, não de uma “obrigação”.
No dia 18 de outubro, o ex-candidato a Presidência da República pelo Partido Novo, João Amoêdo, divulgou a seguinte nota na sua conta do Twitter, que tem sido alvo de inúmeras críticas nas redes sociais:
A postagem de Amoêdo não é apenas contraditória pelo fato de que, nas eleições de 2018, advogou o liberalismo em larga escala nacional, talvez mais que Jair Bolsonaro. Desde que perdeu as eleições de forma vergonhosa, com baixíssima votação, passou a atacar o Governo Federal de forma que surpreendeu até mesmo os seus fiéis escudeiros liberais, que já não reconhecem a postura do banqueiro.
Bia Kicis, deputada federal do PSL-DF, protocolou recentemente projeto de lei que suprime a menção direta à vacinação compulsória no rol de medidas a serem adotadas no combate ao Covid-19. De acordo com a deputada, o art. 15 do Código Civil é claro quando afirma que “Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica”. Na sua conta do Twitter, foi direta ao ponto ao dizer que “ninguém é obrigado a ser cobaia”.
Outros tantos como o jornalista e escritor Guilherme Fiuza, o deputado federal Luiz F. Bragança e o grupo Médicos pela Liberdade fizeram postagens criticando qualquer medida compulsória que obrigue a população a ser vacinada:
Passo Fundo: a ideia de “vacinação obrigatória” vem já de outros carnavais
Em 2018, Luiz Miguel Scheis protocolou o Projeto de Lei n. 0064/2018, que institui o Programa “Carteira de Vacinação em dia, Criança Sadia”. Dois são os artigos que mais chamam a atenção. Acompanhe, a seguir, a fala do vereador sobre o Projeto criado:
Segundo o art. 1º do PL: “Ficam os pais de crianças em idade de vacinação, ou os seus responsáveis, obrigados no início do ano letivo a apresentar, no ato da matrícula ou rematrícula escolar em estabelecimento de ensino, público ou privado, Caderneta de Saúde da Criança contendo o registro da aplicação das vacinas obrigatórias à sua idade, inclusive a da paralisia infantil, sarampo e demais vacinas oriundas de campanha nacional.”
Ainda, conforme o art. 4º: ” Em caso de descumprimento ao disposto nesta Lei, o estabelecimento de ensino deverá comunicar formalmente a situação da criança ao Conselho Tutelar Municipal, para as devidas providências e reparação de direitos, sem quaisquer prejuízos à manutenção do ano letivo da criança.”
O vereador justificou o projeto destacando que muitas doenças que já haviam sido erradicadas, como o sarampo, estão voltando a se tornar um problema de saúde pública por conta do crescente número de casos detectados. Para o vereador, o maior problema reside na negligência dos pais com a saúde dos filhos, o que motivou a criação do Projeto.
Scheis afirmou na ocasião que duas das medidas sugeridas como punição motivariam os pais a deixarem a carteira de vacinação dos filhos em dia. Em primeiro lugar, a de impedir que os filhos tenham acesso ao sistema de ensino. Em segundo, a possível perda da guarda dos filhos.
Ainda naquele ano, em 2018, quando ainda os resquícios da aliança PT/MDB davam as cartas no Brasil, foi divulgado pelo Ministério da Saúde manifesto realizado por sociedades médicas em prol da vacinação, sobretudo em relação ao sarampo e ao pólio. Na ocasião, o Brasil enfrentava dois surtos de sarampo, em Roraima e Amazonas.
É de se questionar o fato de se criar uma lei municipal na qual se constata medidas impositivas. É preciso lembrar que o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê multa e outras consequências para esses casos, tratados como negligência por parte dos pais que optam por não vacinar os filhos. Além disso, muitas escolas já solicitam que a carteira de vacinação seja apresentada. Será que as escolas farão o mesmo filtro com a vacina contra o Covid-19?
Para retomar a lucidez
Vacina pode ser um “direito de todos”, mas não uma “obrigação de todos”. Mesmo que o Governo Federal tenha garantido que não obrigará nenhum brasileiro a tomar a vacina, sabe-se que o um canetaço do STF pode dar poderes ditatoriais para governadores e prefeitos impor suas respectivas medidas de saúde. O certo é que haverá movimentos opostos e que não serão capazes de chegar a qualquer consenso sobre o assunto. No entanto, se a vacina é de boa qualidade, que preocupação terá aquele que se submeteu à mesma? Talvez o meio-termo seja a racionalidade de ambos os lados: quem se vacinou estará imune, quem não se vacinou assumirá os riscos das suas escolhas. De qualquer sorte, independentemente do lado que a população estiver nessa briga, o direito de escolha deve estar acima de qualquer decreto ditatorial assinado por um político de ocasião.