Malgrado a polarização evidente daqueles metidos ou na esquerda ou na direita, o certo que há muitos que resistem em se posicionar como devem, na ânsia de que os outros resolvam os problemas do mundo, ou esperando que os problemas se resolvam por conta própria
“Os lugares mais quentes do Inferno estão reservados àqueles que escolheram a neutralidade em tempos de crise”, como aponta a frase atribuída a Dante Alighieri, talvez nunca tenha feito tanto sentido quanto nos atuais tempos. Isso porque há muitos que vislumbram a corrupção no seu dia a dia, muitos que lidam com a falta ética constantemente, muitos outros se omitem em momentos oportunos em que deveriam agir.
Há um conto de Nelson Rodrigues, um dos maiores escritores brasileiros do século XX, “O ex-covarde”, no qual comenta uma história de quando fora questionado por que estava escrevendo, de repente, só sobre política, quando costumava variar os assuntos (de futebol a temas da cintura para baixo). Tratou-se como um ex-covarde, pois já havia vivido o suficiente, estudado o suficiente e tido experiências o suficiente para deixar o medo de lado, seja da esquerda, seja dos movimentos estudantis, seja dos grupos impassíveis de críticas. “Sou um ex-covarde”, como pontuou.
Muito certo é que o mundo não está atrás de opinadores de plantão. Com a difusão das redes sociais, pessoas que mal abriam as bocas para comer agora se lançaram formadores de opinião. E o pior é que há público para esses sujeitos. Calculem.
Vejam bem. Na altura em que anda o mundo jurídico hoje, tem gente que anda consultando advogado antes de sair fazendo juízo alheio. Processo, para o advogado, é trabalho; para o leigo, é dor de cabeça. Sabe quantas pessoas foram processadas pela cúpula do PT por ter-lhes chamado de “ladrões”? Não foram poucos. Até mesmo Lula foi autor de ações dessa natureza. E eles ganham porque não são processados por mentir, mas por tê-los insultado. A injúria, crime disposto no art. 140 do Código Penal Brasileiro, leva em consideração os aspectos subjetivos do injuriado. É dizer que o critério de análise leva em consideração o que a pessoa sentiu. O que é a injúria, afinal? Pode ser qualquer ofensa, da grosseira à banal, desde que faça com que o ofendido se sinta no direito de procurar a Justiça e reaver os seus direitos. Ora.
Com isso, estamos longe de colocar panos quentes ou mesmo panos frios sobre o assunto. O problema é que tem havido excesso de covardia. São advogados que não se dispõem a usar o processo por uma causa justa, são médicos que acabam coagidos pelos mandos dos gestores, são os agentes públicos que se fazem de mudos por receio da opinião pública. Pensemos num exemplo prático, falando do jornalismo de Passo Fundo: quem, além da Lócus, ousou criticar o trabalho do prefeito (aqui, a referência maior destina-se a Luciano Azevedo)?
Então, há grupos de pessoas que se calam por medo de perder emprego, por medo de críticas, por medo de ser contrário ao pensamento majoritário. Por conta disso, aqueles que deveriam ser julgados ou mesmo expostos em praça pública pelos seus crimes acabam sobressaindo. Pensemos: quantos políticos que estão ocupando os espaços por aí são realmente vocacionados ao exercício da política? Contam-se nas pontas dos dedos, poderíamos apostar. Mas estão ocupando tribunas, recebendo dinheiro público, gerindo patrimônio alheio da forma como bem entendem. Costumo dizer que há mais desinibidos do que vocacionados nesse meio.
O mundo, portanto, está em busca de ex-covardes. São estas pessoas que colocam a mão na massa, enfrentam batalhas de peito aberto, doam suas vidas por determinadas causas. Todo mundo, a despeito do trabalho que exerça, deveria agir um pouco como Nelson Rodrigues. Para que temer as críticas? Esse medo é realmente real? Pois cada vez que um justo se cala, abre-se brecha para um imbecil ocupar posto para o qual não tenha a mínima competência ao exercício do ofício.