A maioria dos ministros entendeu que as regras para nomeação dos reitores pelo presidente da República não afrontam a autonomia universitária
Desde que Jair Bolsonaro assumiu a Presidência, é certo que nem tudo seria (ou será) possível resolver. Um Presidente da República não possui nem a metade das competências que a população em geral acredita que ele tenha. Nos dias atuais, isso fica cada vez mais evidente: grande parte das pautas necessárias para fazer o Brasil avançar ou acabam engavetadas pelo Poder Legislativo ou proibidas pelo Poder Judiciário. Bem, Bolsonaro sabia que sua vida não seria nada fácil a partir do dia 1º de janeiro de 2019, quando foi empossado.
Passados alguns tropeços iniciais, a escolha de Abraham Weintraub para assumir o Ministério da Educação foi tão certeira, que a militância não mediu ( e continua não medindo) esforços (inclusive amparados pelo STF) até que a sua saída fosse confirmada. Muito trabalho ainda precisa ser feito no campo; no entanto, assuntos que até então eram tabus nessa seara, passaram a ser enfrentados “como nunca antes na história deste país”.
Um desses pontos está relacionado à famosa lista tríplice das universidades federais. Para aqueles sem conhecimento de causa, desde que Lula assumiu a Presidência, a decisão sobre a nomeação do reitor era decidida com base no maior número de votos. Dos três nomes mais votados, optava-se pelo mais votado. A ideia era que isso seria uma decisão interna, decidida a partir das eleições universitárias, e não pelo dedo do Presidente, como assim prevê a legislação federal.
Para quem já estudou numa universidade federal sabe que política universitária sempre foi um campo fértil para a esquerda. O peso dos votos não tem medidas iguais, como uma eleição municipal, por exemplo. O voto dos professores e funcionários possui maior peso proporcional ao do conjunto dos estudantes.
Bolsonaro, ao contrário do que vinha acontecendo pelos seus antecessores, decidiu fazer valer a lei e realizar uma escolha pensada das listas tríplices que caíam sobre sua mesa. Mais uma rasteira seria dada nas militâncias. E uma ação acabou sendo protocolada no STF para impedir que Bolsonaro continuasse a exercer seu direito de escolha. A pedra no sapato desta vez seria colocada pelo presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz, que desde que assumiu o cargo não tem feito outra coisa a não ser fomentar a militância contra Bolsonaro.
Felipe Santa Cruz (dir.), atual presidente da OAB nacional, não pouca ataques ao governo de Jair Bolsonaro.
No entanto, para a surpresa de muitos, por maioria de votos, o Supremo Tribunal Federal (STF) indeferiu pedido de liminar na Arguição de Descumprimento Fundamental (ADPF) 759, ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) com o objetivo de que, na nomeação dos reitores e dos vice-reitores das universidades federais e dos diretores das instituições federais de ensino superior, o presidente da República, Jair Bolsonaro, indicasse os nomes mais votados nas listas tríplices enviadas pelas instituições, e não mais escolhesse. A decisão foi tomada na sessão virtual encerrada em 5/2 e seguiu o voto do ministro Alexandre de Moraes.
Na ação, a OAB argumenta que as “nomeações discricionárias” pelo presidente da República, em desacordo com as consultas e escolhas majoritárias das comunidades universitárias”, caracteriza “desrespeito aos princípios constitucionais da gestão democrática, do republicanismo, do pluralismo político e da autonomia universitária”. Além de determinar a nomeação do mais votado na lista tríplice, a entidade pretendia que as nomeações realizadas fora desse parâmetro fossem sustadas.
Em dezembro do ano passado, o relator da ação, ministro Edson Fachin, concedeu parcialmente liminar para assentar que a escolha do chefe do Poder Executivo deveria recair sobre os membros das listas tríplices que tenham recebido votos dos colegiados máximos das instituições universitárias e cumpram os requisitos legais de titulação e cargo. No referendo submetido ao colegiado, o relator reafirmou sua decisão monocrática e foi seguido pelos ministros Marco Aurélio e Cármen Lúcia.
Os demais ministros seguiram o voto de Alexandre de Moraes pelo indeferimento da liminar. Para ele, o ato de nomeação dos reitores de universidades públicas federais, regido pela Lei 5.540/1968, com a redação dada pela Lei 9.192/1995, não afronta a autonomia universitária, prevista no artigo 207 da Constituição Federal.
Segundo o ministro, trata-se de um ato de “discricionariedade mitigada”, realizado a partir de requisitos objetivamente previstos na legislação federal, que exige que a escolha do chefe do presidente da República recaia sobre um dos três nomes eleitos pela Universidade:
“Se o chefe do Poder Executivo não pode escolher entre os integrantes da lista tríplice, não há lógica para sua própria formação, cabendo à lei apenas indicar a nomeação como ato vinculado a partir da remessa do nome mais votado”.
Quanto à liminar parcialmente deferida pelo relator, o ministro Alexandre entendeu que as balizas nela propostas já estão previstas na legislação federal sobre o tema, que determina o respeito ao procedimento de consulta realizado pelas universidades federais, as condicionantes de título e cargo e a obrigatoriedade de escolha de um dos nomes da lista tríplice organizada pelo colegiado máximo da instituição.
Segundo o ministro Alexandre de Moraes, a autonomia universitária prevista na Constituição se concretiza por meio da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/1996), que assegura a liberdade de gestão do conhecimento e a liberdade administrativa das universidades que os reitores integram, dirigem e representam, na condição de órgão executivo. Assim, o simples ato administrativo de escolha do reitor pelo presidente da República não teria o efeito concreto de interferir na autonomia universitária.
Para o ministro, presumir que a livre escolha, entre os três indicados pelo próprio colegiado, seria um ato político ilícito significa deixar de lado a vontade da própria congregação que, na lista, inclui outros dois nomes específicos de seus integrantes, além do mais votado.
Ainda de acordo com o relator, a Constituição Federal atribui autonomia administrativa, financeira e mesmo política a diversas instituições, como o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública da União, sem afastar a participação discricionária do chefe do Poder Executivo na escolha de parte de seus integrantes ou de seus dirigentes máximos por meio de lista tríplice ou sêxtupla. A seu ver, se a autonomia desses órgãos não é empecilho para a escolha de seus membros ou de sua chefia pelo presidente da República, não se poderia observar inconstitucionalidade no processo de escolha de reitores e vice-reitores, na ausência de regra constitucional que garanta tratamento distinto.