Remendo nas calçadas da Praça revela que a Prefeitura sabe prometer, mas não tem a mínima ideia sobre como entregar uma obra de qualidade para o cidadão passo-fundense
Passo Fundo já tem uma Ecce Homo pra chamar de sua. Assim como a restauração polêmica realizada em uma pintura na Espanha, que ganhou o mundo e virou meme em 2012, nossa barbeiragem gera tristeza em quem vê a “Praça da Cuia” – como é carinhosamente chamada a Praça Marechal Floriano – com tamanha deformação de falta de cuidado.
Vamos voltar no tempo: desde 2013, o local já recebeu 3 “grandes obras”, que custaram caro. A primeira, com a empresa Plano Construções, de Passo Fundo, reformou sanitários, iluminação e instalou novo chafariz. A empreitada gerou muito marketing político e fotos no Instagram, ao custo de quase 600 mil reais (cerca de R$ 1,2 milhão hoje).
A segunda, em 2015, colocou 66 novos bancos na praça fornecidos pela empresa Disbraplac, de Seara/SC. Custo total de R$ 58 mil.
A terceira, em 2018, foi a mais barata de todas: R$ 15 mil com a empresa A.A. Bueno – EPP, da vizinha cidade de Áurea, para a retirada de piso existente e reaterro, execução de pisos, limpeza e outros.
O memorial descritivo que orienta a licitação contém um item dedicado ao calçamento histórico:
“O padrão das pedras, deverá ter dimensões uniformes com aproximadamente 3×3 cm, e altura entre 4,0 cm e 6,0 cm, tendo coloração preta, branca ( o mais parecido possível com as pedras existentes). Assentar as pedras sobre “farofa” (argamassa seca) de traço 1:3 ( 1 parte de cimento e 3 partes de areia úmida), com espessura de 8,0 cm a 10 cm, as pedras devem ficar travadas umas contra as outras, com o menor vão possível entre elas, ficando nivelado com o passeio existente.
Após o assentamento, deverá ser espalhada e varrida sobre o mosaico, outra “farofa” de traço 1:2 (1 parte de cimento e 2 partes de areia), preenchendo todos os vãos entre as pedras. Apiloar as pedras com soquete leve de tábua larga, para nivelar o piso. Regar a superfície com pouca água, utilizando vassoura, sem remover a argamassa do rejunto. No dia seguinte, jogar água abundantemente. Manter o piso úmido por 5 dias. Evitando o trânsito sobre calçadas.
A área com o piso executado deverá ser isolada com fita, para pedestres não possuírem acesso.
Devendo ser liberado após cinco dias, sendo três dias para a cura da base e dois dias para a cura da argamassa de assentamento.”.
Detalhe do Memorial Descritivo: documento elaborado pela Prefeitura que orienta a obra de restauro da praça.
Ainda segundo o documento, a empresa deveria fazer “avaliação dos locais (seguindo a metragem estabelecida na planilha orçamentária), analisando qual trecho será substituído por piso novo (pedra preta). Todos os desenhos existentes, que são em pedra branca e estão danificados, deverão ser refeitos fielmente ao desenho original, com pedra nova na cor branca.”.
Apenas três anos depois, os passo-fundenses estão tropeçando nos buracos da praça – literalmente – já que a desculpa para os atuais remendos bizarros executados pela prefeitura de Passo Fundo é a de que duas senhoras tropeçaram recentemente nos caminhos do local. Os responsáveis pelas obras não optaram por bloquear a calçada, oferecer um caminho alternativo ou simplesmente executar o serviço como deveria ser feito e sim pelo assentamento de pedras comuns.
A empresa A.A. Bueno não existe mais: segundo o CNPJ, foi extinta em 2020. O seu representante responsável no contrato com a Prefeitura é Osvaldo Fantin, que também representa outra empresa conhecida na cidade: a Referência Obras e Sinalizações LTDA. A Referência tem mais de R$ 15 milhões em obras faturadas na cidade desde 2015, incluindo aí Parque da Gare, pavilhão na Usina de Transbordos de Resíduos, drenagens em bairros e outras.
Fica evidente que o problema da Praça Marechal Floriano é maior que a capacidade da prefeitura para a resolução. É caso para a reunião de forças de diferentes áreas, como documentação, uso de ferramentas digitais de topografia e a escolha de materiais e métodos para reforma. A cidade tem pessoas qualificadas para tanto, mas pode ser esta uma situação daquelas onde a politicagem afasta as pessoas com boas intenções, mas incapazes de lidar com autoridades colocadas em cargos públicos não por questões técnicas, mas por pura politicagem.
Ecce homo, antes, durante e depois.
A Ecce homo virou motivo de piada lucrativa na Espanha, fomentou o turismo e a venda de objetos de souvenir com a pintura “restaurada”. Em Passo Fundo, melhor não contar com a sorte. As barbeiragens arquitetônicas realizadas por aqui só apresentam o potencial de gerar indenizações das vítimas dos tropeções. E você pagará a conta.