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Concentração fragmentada: o uso do TikTok

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Eis o paradoxo da atenção: o aplicativo prende a atenção para quebrá-la.

 Recentemente, em um artigo publicado na revista digital Frontiers in Public Health, “Sobre a psicologia do uso do TikTok”, pesquisadores da Alemanha, China e EUA, concluíram que o grande alcance e o alto engajamento no uso do TikTok é resultado de uma aperfeiçoada análise psicológica das mídias:

“As empresas de mídias sociais criaram serviços altamente imersivos, com o objetivo de captar a atenção dos usuários o máximo possível. Como resultado da permanência prolongada dos usuários, as empresas de mídia social obtêm insights profundos sobre as características psicológicas dos usuários”.

TikTok pode ser considerado o produto mais representativo e avançado das mídias sociais, obtido a partir do comportamento diário dos usuários na internet e nos smartphones. Quanto mais você assiste aos vídeos, mais o algoritmo reconhece seu perfil, mais você receberá o que lhe atrai, mais você ficará engajado. No fim, você acaba despendendo mais tempo do que o pretendido – e desligar não será uma opção considerada. Pode ser divertido, mas o TikTok foi feito para viciar.

Ocorre que o uso compulsivo de um aplicativo como esse não está essencialmente ligado ao conteúdo distribuído, e sim a forma como que isso é feito – tanto para criar conteúdo, como para consumir.

O universo do TikTok é diferente das outras mídias sociais, pois tudo está se movendo rapidamente. Não há uma página inicial estática, você cria seu perfil, acessa e os vídeos são reproduzidos automaticamente – e assim começa a captação da experiência do usuário pelo algoritmo. Como já mostramos no artigo anterior, aqui na Lócus, a atenção do usuário é mantida em uma constante sensação de novidade e curiosidade sobre o que aparecerá – além de ser um atraente convite para criação de novos vídeos curtos ou de engajamento a tendências do momento.

Eis o paradoxo da atenção: o TikTok prende a atenção para quebrá-la. Ele não foi feito para o usuário ter longos períodos de concentração. Agora, você consegue imaginar o que um hábito como esse pode causar em um indivíduo de 13 a 17 anos, que dedica 2 a 4 horas diárias a este tipo de concentração fragmentada?

Pesquisas neurológicas já demonstraram que muitas práticas e ações frequentes, dentro de determinados ambientes, podem alterar as redes neurais do cérebro, criando hábitos rígidos e comportamentos difíceis de serem alterados – como mostram os estudos do nobel Eric Kandel, de Michael Merzenich e de Norman Doidge.

Esse processo pode ocorrer com um indivíduo que tenha o hábito compulsivo e diário de estar conectado às mídias sociais por horas ou de assistir continuamente muitos vídeos rápidos, como no TikTok – sua capacidade de concentração e atenção prolongada irá diminuir, pois sua mente estará sendo treinada diariamente a ter curtos períodos de concentração.

O neurologista português, António Damásio (autor de livros como O Erro de Descartes, E o cérebro criou o Homem), ressalta, no entanto, que devido a justa plasticidade do cérebro, um jovem saudável, com inteligência normal, pode reverter um quadro de distração com treino e novos hábitos. Ocorre que, atualmente, os smartphones estão presentes em praticamente todas as atividades diárias, de manhã à noite.

As consequências do uso compulsivo das mídias sociais podem ser vistas no aumento da impulsividade e ansiedade, na impaciência dos usuários diante de atividades mais prolongadas como ler um livro, ler textos longos na internet, assistir a um filme inteiro, assistir a uma palestra ou, especialmente entre os jovens, assistir atentamente a uma aula de 50 minutos.

 

Em 2010, Steve Jobs revelou a um jornalista do New York Times que seus filhos nunca haviam usado iPad, sua própria invenção. Em 2018, Bill Gates admitiu que tinha severas regras de tempo para os filhos usarem tecnologia. Chris Anderson, antigo editor da prestigiada revista de tecnologia Wired, afirmou que nunca permitiu seus cinco filhos usarem aparelhos com tela em seus quartos. Evan Williams, um dos sócios-fundadores do Twitter, sempre evitou dar um iPad ou celular aos seus filhos pequenos. Se os próprios envolvidos na criação da tecnologia admitem os prejuízos pelo uso compulsivo, não ser ingênuo diante da mídia de algoritmos é o primeiro passo para recuperar a capacidade de concentração profunda, que tanto fez bem à humanidade. E se você leu até aqui, parabéns e obrigado.

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