Recém-agraciados com programa de “Inclusão Digital” da Prefeitura, os profissionais do ensino público possuem perfil salarial bem diverso
Segundo o Portal da Transparência da Prefeitura de Passo Fundo, a rede municipal de ensino possui cerca de 1.247 professores efetivos, trabalhando em distintas configurações de carga horária e recebendo um salário (após deduções) entre R$ 667,76 e R$ 11.032,17. Os dados são referentes à folha de junho/2021.
A pasta da educação parece ser local frutífero para ações sociais no atacado, onde dinheiro público é usado para favorecer um grupo de pessoas visto como um bloco de característica única. Assim como na distribuição de uniformes para os alunos da rede escolar – que já virou Lei -, agora a Prefeitura de Passo Fundo vai subsidiar computadores para professores.
Estas práticas dão muito poder político para os pais (e mães) da ideia, que costumam sair da cena política e deixar para trás alterações importantes no orçamento municipal.
É justo gastar dinheiro público para subsidiar a compra de bens para pessoas que ganham bem? Primeiro, vamos elaborar sobre o que pode ser considerado “ganhar bem”.
Os salários dos professores da rede municipal: 58,6% deles recebeu (após deduções) acima de R$ 4.000,00 na folha de junho de 2021. Já na remuneração básica, nesta faixa o percentual passa a ser de 48,4%
Salários no País
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) do IBGE indica que o rendimento médio do brasileiro no primeiro trimestre de 2021 foi de R$ 2.544,00, enquanto no Rio Grande do Sul, quarto colocado entre as unidades da federação, foi de R$ 2.870,00.
Considerando o perfil da massa salarial brasileira e regional (e por que não dizer o senso comum), o brasileiro sabe que alguém que percebe a importância líquida acima de R$ 4.000,00 ganha bem. Situação ainda mais favorável para aqueles que dentro desta faixa fazem parte de um grupo familiar, somando os vencimentos com o esposo ou esposa. Não dá para passar o Natal em Nova York, mas dá para comprar um computador financiado.
Na justificativa do Projeto de Lei “Professor XXI”, outras questões saltam aos olhos:
“O Presente Projeto de Lei tem como objetivo adequar o Plano Plurianual (PPA), Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA), conforme solicitação da Secretaria de Educação. A adequação proposta se refere à implantação do programa “Professor XXI”, com o objetivo de fomentar a aquisição de equipamentos imprescindíveis à inclusão digital e ao desenvolvimento das funções educacionais, provendo os profissionais da educação de instrumentos de trabalho compatíveis com as novas tecnologias existentes, viabilizando a compra de computadores para os professores da Rede Municipal de Ensino. A origem dos recursos orçamentários ocorrerá através de dotação orçamentária da própria Secretaria Municipal de Educação.”
Ora, se o beneficiado precisa ser incluso digitalmente, significa que o mesmo não tem acesso a equipamentos de qualidade para buscar conteúdo online e evoluir em seu constante aprendizado, aproveitando as oportunidades do mundo digital. Resta saber quantos são os excluídos que cuidam da educação de nossas crianças, questão básica para qualquer projeto de cunho assistencial e para posterior dimensionamento financeiro.
Ainda mais sério, se é preciso subsidiar uma ferramenta imprescindível ao desenvolvimento das funções educacionais e compatível com novas tecnologias existentes, que seja o Estado-empregador dotado de tais ferramentas para a perfeita execução do trabalho e ofereça como empréstimo em necessidades pontuais. Estaria o prefeito exigindo que seus funcionários comprem ferramentas para trabalhar?
Ironias à parte, é preciso ter cuidado com a escolha de bolsões de importância para o fornecimento de subsídios. Se parte dos professores (convenhamos, esta é a realidade!) não tem condições para comprar um computador, que seja estudado pontualmente a forma de ajuda. E que da mesma manga saia a resposta para o eletricista que troca a lâmpada dos postes nas ruas de Passo Fundo e não pode acessar apostilas sobre aquele novo tipo de aterramento, pois não tem internet ou computador. Ou o mecânico. Ou o enfermeiro. O dinheiro público é limitado e tem única origem no valor arrecadado em impostos de todos, já que o Estado não produz riqueza. Cada centavo empregado em subsídios deve ser analisado com muito cuidado. Infelizmente, o retrospecto não é positivo por estas bandas.