Governador adota o discurso do ataque à “Pobreza Menstrual” e cria programa para alunos da rede estadual de ensino. Como isso começou?
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), uma em cada 10 pessoas que menstruam no mundo deixam de ir à escola durante o período menstrual. No Brasil, uma em cada quatro faltam à escola quando menstruam.
Talvez você já tenha recebido esta informação através da mídia nos últimos meses, quando a questão que ganhou o nome de “pobreza menstrual” começou a ficar popular na arena política brasileira. No Rio Grande do Sul, essas poucas linhas foram capazes de orientar uma política pública com ordenamento de despesas milionárias e muito show de marketing político.
Você já parou para pensar sobre a origem destes números? A ONU fez uma pesquisa no mundo todo e outra no Brasil? A presença das alunas foi monitorada nas escolas? Onde? Por quem? Quantas?
Existe uma publicação da UNESCO de título “Puberty Education & Menstrual Hygiene Management”, ou “Educação na puberdade e gerenciamento da higiene menstrual”, de 2014, mencionando o número “1 em 10” para meninas na África subsaariana. Até então, o foco do estudo estava na análise geral da pobreza e falta de infraestrutura em determinadas populações. São várias as publicações que levantaram números neste sentido.
Pobreza Menstrual no Google Trends: a expressão nasceu em 2019 e não aparece em pesquisas no site antes deste período. Do “nada”, começa a explodir em 2021.
Em maio de 2021, o relatório Pobreza Menstrual no Brasil, desigualdades e violações de direitos, elaborado pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), vasculhou os dados de diversas fontes – especialmente do IBGE – e adicionou interpretações ideológicas ao problema da falta de acesso a absorventes por uma parcela da população. Há – no mínimo – uma linguagem diferenciada para questões de gênero, com o indefectível “pessoas que menstruam” e similares, substituindo “meninas ou mulheres” em diversos parágrafos.
Já o “no Brasil, uma em cada quatro” tem uma origem curiosa e bem mais econômica no apuro científico. Trata-se de uma enquete realizada pela empresa de pesquisa de mercado Toluna, por encomenda da bilionária Procter & Gamble, através da sua divisão que fabrica absorventes (Always). Eles fizeram um questionário com 1.124 mulheres e pronto: uma em cada quatro. É o Brasil.
A pobreza menstrual investigada pela Always / Toluna. Marketing Social.
Esta única ação de marketing social de uma mega empresa ajudou a aglutinar movimentos que pretendem tirar uma casquinha do problema – que é sério – para colar suas próprias causas identitárias. A pobreza é conhecida em todo mundo, inclusive no Brasil. Todos os dias pessoas deixam de comer, se locomover ou ter higiene adequada por não ter dinheiro. O problema de meninas e mulheres sem acesso a absorventes está inserido em outro maior, com respectivos canais de assistência social que devem ser melhorados a cada dia. As questões que saem da economia e fazem parte da educação e cultura igualmente possuem canais nas três esferas de governo para o correto tratamento.
Há uma evidente memeficação das causas políticas para chamar a atenção e nosso governador (pré-candidato nas horas vagas) não perde tempo. Lançou o programa Todo Jovem na Escola, que ofertará bolsas financeiras, celulares e absorventes. Essa curiosa mistura foi apresentada em evento especial no Palácio Piratini, cujos detalhes estão no site do Governo RS.
Um card promovendo o programa Todo Jovem na Escola, chamando custeio (material de higiene) de investimento e fazendo um chamado ao “direito humano e de saúde pública”.
Absorventes e celulares no lançamento do programa no Palácio. Marcas estrategicamente cobertas?
Antes dele, políticos de diversos partidos incluíram a “pobreza menstrual” em projetos de lei, recomendações e ações, com destaque para uma tentativa nacional (PL 4968/2019) que rapidamente gerou uma narrativa “Bolsonaro veta distribuição de absorventes aos pobres”, a qual durou semanas.
Senadora Zenaide (PROS-RN), provando que a memeficação de causas viralizou: Lá do Rio Grande do Norte, a preocupação com o tema. Em seu site: “Zenaide defendeu a aprovação do projeto como forma de combater a pobreza menstrual, problema que se agrava com o aumento do número de pessoas vivendo em situação de extrema pobreza. No Brasil, uma em cada quatro meninas já faltaram aulas por não ter acesso a absorventes, de acordo com pesquisa Toluna/Always, divulgada em maio. De acordo com a ONU, a pobreza menstrual atinge uma em cada dez mulheres no mundo“. A publicação é de agosto de 2021.
Em tempo: inserida na discussão do termo “Pobreza Menstrual” está a situação das mulheres encarceradas no sistema prisional brasileiro. Se o Estado não fornece o básico para a a população carcerária em produtos de higiene, é questão para fiscalização (se previsto) ou mudança legal urgente. Um problema vergonhoso, mas é outro problema. Em sinergia, só dá força ao oportunismo ideológico.
Sobre a dignidade da pessoa humana, das meninas e mulheres que sofrem com a falta de qualquer produto, da higiene ao medicamento, da alimentação até a assistência médica: cabe aos governos melhorar (muitas vezes apenas deixando de atrapalhar) os municípios, estados e o país, para que cada vez mais pessoas saiam da pobreza, no geral. Pinçar um problema entre outros para “lacrar” no marketing político é de uma pobreza incrível.
Vídeos postados no Youtube com conteúdo protagonizado por Onyx Lorenzoni no canal da Band RS têm desempenho superior aos demais
A Rede Bandeirantes realizou na segunda, dia 8 de agosto, o primeiro debate com os candidatos ao governo gaúcho nas eleições de 2022. Participaram oito dos dez concorrentes: Vieira da Cunha (PDT), Edegar Pretto (PT), Eduardo Leite (PSDB), Luis Carlos Heinze (PP), Onyx Lorenzoni (PL), Ricardo Jobim (Novo), Roberto Argenta (PSC) e Vicente Bogo (PSB).
O debate teve uma duração de duas horas e você pode conferir na íntegra no link abaixo:
Costume tradicional nos podcasts, os “cortes” ganharam vida também nos canais das TVs na internet. Eles são momentos especiais do conteúdo escolhidos pelos editores e repostados no Youtube. Como estes pequenos vídeos são protagonizados por um candidato em especial ou representam tópico específico – muitas vezes apoiado pelo texto escolhido para a miniatura – acabam virando um termômetro da popularidade dos candidatos nas redes.
A Band postou cerca de 30 cortes após o evento e a diferença de visualizações entre eles é gritante, com grande predomínio dos vídeos favoráveis a Bolsonaro. Foram 24 destaques do debate e 8 considerações finais. O vídeo mais visto até o momento da edição deste texto foi o “Edegar Pretto (PT) questiona Onyx Lorenzoni (PL) sobre rompimento com Eduardo Leite”, com 706 mil visualizações, 28 mil curtidas e 3.865 comentários. Apesar de ser o “momento” do candidato petista perguntar ao bolsonarista, a “miniatura” que divulga o corte mostra Onyx com a frase “Ou tá com Lula ou tá com Bolsonaro”.
Os cortes do segundo ao quarto lugar também são identificados com Lorenzoni, obtendo 67 mil, 21 mil e 16 mil visualizações. Até nos vídeos de “considerações finais” o candidato do PL ficou na frente: 3800 contra 511 de Eduardo Leite.
Onyx líder nas miniaturas
O arranjo descompassado entre protagonista do corte (ou quem pergunta para o concorrente) e a miniatura que divulga o vídeo – escolhas dos editores da Band – acabou por favorecer o candidato do PL. Foram 6 “figurinhas” para Onyx, 4 para Jobim e Vieira, 3 para Argenta, 2 para Bogo, Leite e Heinze e apenas uma para Pretto. Os vídeos, por sua vez, são equânimes: cada candidato perguntou 3 vezes para um concorrente. O petista Pretto fez perguntas para Vieira, Heinze e Lorenzoni, mas só virou figurinha quando indagado por Bogo.
Em tempos de algoritmos com critérios que só os desenvolvedores das bigtechs conhecem, esta forma de publicação pode distorcer um pouco a percepção da realidade e desempenho de candidatos. De qualquer forma, é pouco para explicar o enorme sucesso de Onyx em visualizações. O conteúdo do candidato, provavelmente, caiu na rede bolsonarista nacional, que admira o confronto contra o PT, especialmente pelo mote “Está com Lula ou Bolsonaro”. Existe significativo número de comentários nos vídeos de pessoas que dizem não serem do Rio Grande do Sul, mas apoiam o que foi dito.
Por fim, surpreende o desempenho pífio de Eduardo Leite com a audiência. Dos seus três pronunciamentos publicados, um serviu de escada para Onyx faturar 67 mil visualizações (O Senhor Priorizou um Projeto de Poder) e “traço” com os temas geração de emprego e investimento em segurança.
A eleição nem começou, mas a Band deu o tom. Os cortes serão uma ferramenta importante na divulgação dos canais e os candidatos devem correr na frente para fabricar os próprios, com o mesmo conteúdo mas com o tom que lhes favoreçam. E o eleitor (que vota no RS) que decida pelo melhor.
Mateus Wesp quer a marca do “deputado que trouxe mais de meio bilhão” para a cidade, incluindo até dinheiro federal do aeroporto
Passo Fundo recebeu um impresso do deputado estadual Mateus Wesp na última semana. De título “Prestação de Contas (2019-2022) – O Trabalho do Deputado que Trouxe Mais de Meio Bilhão de Reais para Passo Fundo e Região”, o panfleto amarelinho de 10 páginas apareceu na caixa de correio de muita gente na cidade.
Wesp e seu panfleto amarelo: uma lista de conquistas heróicas.
A distribuição maciça do material coincidiu com a visita a Passo Fundo do ex-governador Eduardo Leite (sexta, 22 de julho) e com uma festa de aniversário para deputado em CTG, na presença de tucanos estaduais.
A Lócus teve acesso ao livrinho, o qual lista realizações do deputado, envios de verbas e mostra como o político tem (ou teria) ótimas relações com o Executivo, que dá atenção para seus pedidos especiais. Tudo acompanhado do bordão “Sem deputado Wesp / Com deputado Wesp” a cada item.
Depois de elencar milhões aqui e ali em emendas e programas governamentais para a saúde da região, a página 2 destaca algo curioso: “a pedido do deputado”, escolas de Passo Fundo, Carazinho, Getúlio Vargas e Soledade foram inseridas no “Programa Avançar na Educação”, escolhidas entre outras 54 para se tornarem “Escola Modelo”.
Acima: dinâmica e cidades das escolas escolhidas para integrarem o programa “Escola Padrão”, segundo documentação do Governo RS.
É de se espantar que o Executivo, com equipe técnica na área da educação, economia e tantos outros departamentos da máquina pública na mão receba de um deputado seleção de escolas para programas. Mais estranho ainda é consultar a documentação do Programa Avançar Na Educação e constatar que o programa Escola Padrão selecionou 52 escolas a partir do Índice de Infraestrutura das Escolas, calculado pelo Departamento de Economia e Estatística (DEE/SPGG), garantindo pelo menos uma escola por Coordenadoria Regional e preferencialmente sem projeto ou obra em execução e mais 3 indígenas e uma quilombola.
Responsável por tudo
O deputado segue dando a entender que tudo de bom é causado por seu mandato. A fazenda da Brigada Militar arrendada? Obra de Mateus Wesp. A Cadeia Pública? Obra de Mateus Wesp. Estradas? Turismo? Tudo era mato antes de 2019. Paulo Maluf está orgulhoso do deputado gaúcho, esteja onde estiver.
Rei do marketing: sem o deputado Wesp, pessoas morrem nas estradas. Graças a ele, tudo melhorou ou vai melhorar.
Aeroporto de Passo Fundo e Impostos
Wesp fez a obra sair do papel e desembarcou com o governador Eduardo Leite por aqui para dar a ordem. No imposto de fronteira, por ter votado sim ao fim da cobrança (assunto polêmico, já que outras forças políticas declaram que não foi bem assim) – o deputado também se considera responsável por tal feito. Ele também significa “contas em dia” e outras diversas benesses.
Wesp e Leite: nunca antes na história deste Estado.
Meio bilhão
O panfleto acaba com uma lista de valores precedida pelas afirmações “Nunca um deputado estadual e um governador trouxeram tantos investimentos para Passo Fundo e região. Total de investimentos: mais de meio bilhão de Reais”. No tabelão de emendas e recursos, os destaques somam R$ 551 milhões. Entre eles, o dinheiro federal para a reforma do aeroporto Lauro Kortz – a cereja do bolo neste conjunto de exageros, promoção pessoal e um festival de dados sem referência. Ainda bem que o o material deixa uma última mensagem: pago com recurso próprio. Imaginem isso tudo financiado pelo dinheiro dos pagadores de impostos? Aí seria demais.
Neste ano eleitoral, avançam os gastos com diárias na Assembleia e o líder até o momento é o deputado de Passo Fundo
O deputado Mateus Wesp (PSDB) já recebeu mais de R$ 27 mil em diárias até o momento na Assembleia Legislativa. Segundo a Transparência do Governo RS, os valores são referentes a viagens entre janeiro e junho deste ano, com diárias lançadas no “futuro” para duas empreitadas no RS, provável erro no sistema. O valor deixa o deputado na liderança dos gastos, seguido por Elton Weber (PSB) com R$ 26 mil e Antônio Valdeci Oliveira (PT) com R$ R$ 25 mil.
Todo o Legislativo gastou R$ 1,5 milhão em 3819,5 diárias até o momento.
A metade dos gastos de Wesp ficou por conta da viagem com destino aos Estados Unidos em março, para acompanhar Eduardo Leite. O deputado visitou Nova Iorque, Austin e Washington. A presença de alguém do Legislativo em comitiva de “exibição de potencialidades e conhecimento de novas tecnologias” é, no mínimo, discutível. As 7 diárias ficaram em R$ 14.358,68.
Em 2021, Wesp consumiu R$ 17 mil em diárias (29), contra R$ 12 mil em 2020 (20) e R$ 24,6 mil em 2019 (30,5). O deputado encerrará o último ano com o maior gasto durante o mandato e talvez como campeão entre todos os políticos da casa.
Wesp está na liderança
O deputado por Passo Fundo Mateus Wesp já apareceu em diversos levantamentos da Lócus sobre gastos com diárias e gasolina, sempre ocupando boas posições (para o deputado, nem tanto para o contribuinte). Você pode conferir alguns destaques aqui, aqui e aqui.
Diárias consumidas até o momento e registradas no Portal da Transparência, para todo o Poder Legislativo. Acesse aqui o portal. Em 2021 INTEIRO, os gastos foram de R$ 1,91 milhão para 4566 diárias.
“Ah, mas eu trago recursos”
Muitos dos políticos confrontados com o alto gasto em viagens respondem que “estão trabalhando” e “trazendo recursos”, termo para fazer o que tem que ser feito e retorno dos impostos já pagos pelo contribuinte. A diária acaba virando uma espécie de comissão pelos serviços prestados que é adicionada ao já gordo salário. Outra coisa ainda mais séria e já falada por aqui: e quando o político tira diária e gasolina para viajar e gasta metade do tempo em evento partidário na cidade destino? Isso não tem cabimento, mas acontece muito.
É bom ficar de olho em todos, de Porto Alegre e de Passo Fundo.