A nomeação da atriz e do músico para a ABL é mais um episódio controverso da instituição
Recentemente, a Academia Brasileira de Letras elegeu como imortais a atriz Fernanda Montenegro e o músico Gilberto Gil. A eleição da atriz ocorreu depois de 34 dos 17 votos necessários para oficializar uma candidatura única – na ocasião, não havia (!) concorrentes para a cadeira. Já a eleição do músico Gilberto Gil aconteceu depois de 21 votos a favor, entre concorrentes como o poeta Salgado Maranhão e o escritor Ricardo Daunt.
Há quem tenha recebido a notícia das nomeações com simpatia, celebrando a abertura da ABL para a diversidade cultural; há quem tenha recebido a notícia com indignação, questionando qual seria, afinal, o propósito de uma academia de letras que aceita atrizes e músicos. A controvérsia merece uma análise.
A Academia Brasileira de Letras foi fundada em 20 de julho de 1897, pelo nosso grande Machado de Assis. Em seu discurso de inauguração, Machado exaltou o comum desejo dos membros originários de “preservação da unidade literária”, conclamando que os vindouros imortais haveriam de ter a missão de preservar a tradição das letras no país. Sob esse princípio, o requisito inicial para admissão de candidaturas é “ser brasileiro nato e ter publicado, em qualquer gênero da literatura, obras de reconhecido mérito ou, fora desses gêneros, livros de valor literário”.
Os novos imortais possuem obra literária? Bem, Fernanda Montenegro, reconhecidamente uma das grandes atrizes brasileiras (sem sombra de dúvidas), possui dois livros publicados: um livro de memórias escrito em parceria com um jornalista e um texto inserido em uma coletânea de textos sobre teatro. Quanto a GIlberto Gil, um dos reconhecidos nomes da MPB, também podemos dizer que possui duas publicações: um livro reunindo grande parte das letras de suas canções e um livro de memórias, também em parceria com jornalista.
A rigor, os novos imortais cumprem o requisito inicial. Se as publicações possuem valor literário de destaque, é outra questão. Ou melhor, essa é a questão. A atriz e o músico simplesmente não são reconhecidos como escritores cujas contribuições possuem valor literário, são reconhecidos enquanto atriz e músico.
Estranho seria se este fosse um episódio inédito. Na verdade, há uma lista de imortais da ABL cuja contribuição não se deu na área literária. Cacá Diegues e Nelson Pereira dos Santos (cineastas), Celso Lafer (economista), Sérgio Rouanet e Marco Maciel (políticos), Ivo Pintaguy (cirurgião plástico), Hipólito da Costa e Roberto Marinho (donos de jornal e tv) são alguns exemplos.
Ou os imortais responsáveis não são tão imortais assim e estão desvirtuando totalmente os propósitos originários da Academia, ou que se declare, afinal, não ser aquela uma casa apenas de Letras, mas de cultura geral brasileira. O que Machado diria?
EM TEMPO:
Nos idos de 2011, o então presidente da Academia Brasileira de Letras, Marcos Vilaça, convidou para um almoço na ABL a presidente do Flamengo, Patrícia Amorim, o técnico Wanderley Luxemburgo e o jogador Ronaldinho Gaúcho. A intenção era homenagear os representantes do clube carioca com uma das mais altas condecorações para escritores, a medalha Machado de Assis. Na ocasião, um dos repórteres perguntou ao jogador Ronaldinho qual havia sido o seu último livro lido, ao que o jogador acabou desconversando sem jeito. Em seguida, por ocasião dos agradecimentos à alta honraria, o técnico Luxemburgo comentou: “Quem poderia imaginar que um dia eu seria homenageado pela mais importante casa de cultura do país?”. Pois é, Luxemburgo, pois é.