Desde que o PT chegou ao poder, ninguém apanhou mais dele do que Fernando Henrique Cardoso. Depois de empossado, Lula não demorou em descrever o legado de seu antecessor como “herança maldita”, mesmo tendo recebido um país institucionalmente equilibrado e com as bases econômicas bem definidas. Além de imediato, o trabalho de desconstrução foi duradouro. Durante 14 anos, FHC foi tratado como o grande vilão do país, o responsável pelo “desmonte da máquina pública”, pelo “entreguismo”, pelo “neoliberalismo” e pelo “arrocho”.
Tão forte foi a pregação contra FHC que os candidatos tucanos nas eleições subsequentes a de 2008 o esconderam de suas campanhas. Aquilo que ele havia feito de virtuoso para o país acabou esquecido. A estabilidade, conquistada com a oposição extremada do PT, acabou sendo absorvida em favor de Lula, que a explorou para fazer populismo fiscal.
Não bastasse isso, em 2008, durante o escândalo dos gastos com cartão corporativo, o Ministério da Casa Civil, então ocupado por Dilma Rousseff, organizou um dossiê contra o ex-presidente e sua esposa, Ruth Cardoso. O documento, criado para desviar a atenção das denúncias contra o governo Lula, mostrava os gastos pessoais do casal em 1998, 2000 e 2001. Uma clara tentativa de assassinato de reputação.
No último final de semana, FHC concedeu entrevista ao jornal “Estado de São Paulo”. Comentou sobre a eleição de 2018 e seu apoio no 2° turno. Entre outras coisas, afirmou que “Haddad é a expressão do Lula”, mas que teria de ouvi-lo antes de anunciar seu voto. Para tanto, na visão do ex-presidente, seria “bom” se o PT fizesse uma “autocrítica”. Seguem trechos:
“Tudo que fizeram é bom. Quem inventou o nós e eles foi o PT. Eu nunca entrei nessa onda. Agora o PT cobra… diz que tem de (apoiar). Por que tem de automaticamente apoiar? É discutível. (O PT) Não faz autocrítica nenhuma. As coisas que eles dizem a respeito do meu governo não correspondem às coisas que acho que fiz. Por que tenho que, para evitar o mal maior, apoiar o PT?”
“O PT tem uma visão hegemônica e prepotente. Isso não é democracia. Democracia implica em abrir o jogo e aceitar a diversidade.”
“Quero ouvir primeiro. Não sei o que vão fazer com o Brasil. O Bolsonaro pelas razões políticas está excluído. O outro eu quero ver o que vai dizer.”
“Eu não diria aberta, mas há uma porta. O outro não tem porta. Um tem um muro, o outro uma porta.”
Em outras palavras: FHC está disposto a apoiar Haddad se esse admitir que o PT errou ao falar mal de seu governo. O velho sociólogo não quer um Ministério ou cargos para apaniguados, apenas um afago. Ele já não consegue esconder que sua grande frustração na vida foi jamais ter recebido um elogio daquele que hoje cumpre pena por corrupção.
É claro que FHC não precisa gostar ou apoiar Bolsonaro, mas daí a cogitar abrir voto ao representante de quem fez carreira destruindo sua imagem como homem público é sabotar a sua própria história. De modo que essa entrevista que ele deu ao “Estado de São Paulo” não deve ser analisada à luz da ciência política, mas sob a ótica psicológica de quem avalia um paciente com Síndrome de Estocolmo.
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