Todo ano, milhões em impostos são convertidos em doações de produtos e serviços aos carentes da cidade, em uma perigosa relação que pode resultar em ganho eleitoral para os envolvidos
A cidade de Passo Fundo tem uma enorme estrutura para suprir os cidadãos mais necessitados com serviços diversos, doações, acompanhamentos e até cestas básicas. No comando dessa máquina de caridade com dinheiro dos contribuintes está a SEMCAS.
No “papel”, a Secretaria de Cidadania e Assistência Social (SEMCAS) é o órgão encarregado de atender o contingente populacional – famílias, indivíduos, crianças e adolescentes, pessoas com deficiência, idosos – que se encontram desprovidas de bens e serviços, em situação de vulnerabilidade social; executar serviços, programas e projetos visando a garantia da convivência familiar, a superação das dificuldades, o desenvolvimento de potencialidades, a inclusão social e a autonomia dos usuários da política de assistência social. Na prática, o órgão, que está bem instalado em um prédio na rua Morom (releia A prefeitura de Passo Fundo gasta uma fortuna com aluguel de imóveis, veja aqui alguns exemplos), é subdividido em: ‘Atenção à cidadania e à família’, ‘Atenção à Criança e ao Adolescente’, ‘Atenção ao Idoso’, ‘Atenção à Pessoa com Deficiência’ e o ‘Fundo Municipal de Assistência Social’.
No ano de 2018, foram empenhados para a SEMCAS e seus programas a quantia de R$ 23,7 milhões. Isso corresponde a 4,58% de todos os empenhos da Prefeitura para o ano, ultrapassando os gastos com o Hospital Municipal (R$ 17 milhões).
Para toda essa estrutura, são gastos R$ 12,4 milhões em folha de pagamento. Fazem parte do quadro da SEMCAS: motoristas, monitores de atividades, assistentes sociais, psicólogos, técnicos em enfermagem, conselheiros tutelares, coordenadores, terapeutas e outros. Para cada R$ 10 gastos em assistência social, R$ 5,20 vão para a folha de pagamento do órgão.
E esta indústria que fornece benefício para carentes coloca na linha de frente pessoas do meio político. Além da figura onipresente do gestor em quase todas as atividades através da presença física ou da simbologia da Prefeitura, mais de um vereador já esteve no comando da SEMCAS.
Assim como tanta gente pede por separação do Estado e da Religião, a assistência social – a caridade em si – é melhor realizada de forma discreta e bem separada do mesmo “ente Estado” aqui representado pela Prefeitura e seus detentores de cargos.
Podemos usar um evento da LBV (Legião da Boa Vontade) ocorrido recentemente como símbolo da caridade contaminada por política: é de causar calafrios a soma em um mesmo ambiente de uma imagem com publicidade da Prefeitura, cobertores e pessoas carentes. O seu inverno mais quentinho é o meu voto de amanhã? Ilação ou realidade, não é impossível vermos a caridade de hoje virar agradecimento na urna nas próximas eleições.
O “dar e receber” de caso pensado ou involuntário permeia o mindset da administração socialista do prefeito Luciano Azevedo. São inúmeros anúncios celebrados nos canais oficiais do governo e mídias amigas, de programas que dão uniformes, óculos para crianças, kits para gestantes e tantas outras benesses, dentro e fora do âmbito da SEMCAS. Longe do malfeito, é claro, mas sem a prudência que a ética exige, problema que talvez exija a total reinvenção da caridade administrada por políticos na cidade, no limite da permissão constitucional, já que alguns erros são provocados por regulações federais.
Saiba mais: sobre a Lei do Sistema Único de Assistência Social no município de Passo Fundo.